Diante das análises do último artigo, tive tempo bastante para conversar com pessoas que o leram e vieram trazer seus pontos de vista. Surpreendo-me a cada ocasião, quando discutem comigo sobre meu ponto de vista. Parece-me que não é claro que, aquilo que fora lido, aquele artigo representa meu posicionamento, diante de um fato, naquele momento.
Posso rever, mudar ou ignorar o tema num outro momento, mas basicamente, naquele corte temporal é aquilo que penso e defendo. Retorno ao chamado denominado “criatura” e “criador” porque isso rendeu muita conversa e muito comentário: não sejamos inocentes acreditando que não existe sofrimento pelo modo de ser de um e de outro.
Tratando-se de pessoas bem conscientes (o que seria isso?) o Criador deveria sofrer mais que a criatura, visto que tem mais projetos perspectivados do que a criatura. O Criador planeja, organiza, projeta, antevê e lança a criatura ao encalço daquele sonho. Sem medir consequências, porque o resultado esperado só pode ser o sucesso.
É neste espaço que mora o perigo, porque nem tudo (ou quase nada) acontece conforme o projeto inicial. Sendo assim, sofre o Criador, mas desencanta a criatura, que perde o vigor performático e se transforma numa pessoal comum, igual ao colega que está sentado ao meu lado no metrô. Simples assim.
É muito importante pensar sobre isso, porque não é uma dádiva exclusiva daquela dupla que discutimos semana passada: quantos não são os pais que sonham ver seus filhos médicos ou engenheiros ou advogados quando eles só querem ser técnicos em gestão de pessoas? Quantas não são as famílias que lutam e se sacrificam para ver seus filhos estudando numa universidade pública, enquanto o sujeito da história quer apenas ser um projetista de interior reconhecido pelos pares?
Poderia gastas páginas e páginas de sonhos e projetos que não são compartilhados pelo sujeito da história daquela Vida. Óbvio dizer que os pais querem o melhor para seus filhos; mas é preciso dizer, ainda, que isso tem que ser combinado com os filhos, que nem sempre comungam com os desejos dos genitores. A imposição de certa forma é traiçoeira, pois acarreta dor e frustração em alguma parte do caminho. Nunca se concretizará sem perdas reais e doloridas.
Desta forma, retomar ao assunto anterior nos permite caminhar por muitos dos caminhos que percorremos e deixamos de observar nossos reais desejos e necessidades. Muito é falado sobre o tão propagado sucesso, mas o que ele representa senão a satisfação de atingir o objetivo que traçamos? Terminar um curso universitário só faz sentido se for o curso escolhido pelo sujeito da história daquela Vida. Não significa nada se aquele curso for a carreira que papai ou mamãe gostariam de ter cursado.
Quantos pensam assim? Poucos Criadores, eu garanto por experiência junto à jovens em formação. Conheço muitos que fazem o Mestrado e Doutorado porque aquele era o sonho do pai. Indagado sobre seu sonho, ouço outra carreira e outro destino, distante dali. E um sorriso amarelo e triste, que não significa nem: dever cumprido!!!
Desta forma, trago esta análise sobre as relações interpessoais entre criatura e criador, de modo a apontar pela pluralidade de existência e pela interferência desastrada que ela pode desenvolver no âmbito da vida alheia. Ainda que o alheio seja carne de nossa carne. E não podemos nos prender ao tema provocador da semana passada, nem apenas na escolha profissional.
Vamos pensar mais longe (ou mais perto), quando vemos a família envolvida na escolha do namorado da filha. Ou do filho; que missão difícil escolher o melhor para o outro, no campo afetivo-emocional. No intuito de proteger elencamos três ou quatro virtudes ao lado de cento e dezenove defeitos daquele que seria o escolhido pelo sujeito daquela vida, sempre acompanhados de frases do tipo: papai/mamãe sabe o que é melhor para você!
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DESNECESSÁRIO MAS EXTREMAMENTE EVIDENTE
Mas olhemos do outro lado do túnel: e quando acaba o sonho de amor? Como ter a certeza de que romper, sair da relação, mudar de casa, mudar de vida é a melhor proposta? Quem, a não ser o envolvido em sua própria história de vida, pode saber o que parece ser o melhor? A escolha do jeito de sair, da hora de sair e o que fazer para manter a Vida somente o sujeito da história de vida conhece o enredo. Merece ser ouvido e creditado.
Precisamos crer que somos os senhores de nossas escolhas e de nosso enredo. Nossa Vida tomará os rumos que escolhermos como adequados e necessários para aquele contexto e ocasião, fora disso, teremos meras especulações; algumas serão bem vindas e acertadas. Outras serão o passaporte para o Inferno. Mas podemos bem saber de um e de outro e fazermos a devida escolha.
Afinal, quem garante que uma boa escolha sempre é a primeira? Ou quem afirma que a proposta do Criador será o caminho da glória e do sucesso da criatura? Como diz o clássico escritor: Caminhante, o caminho se faz ao caminhar.
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.