Quantas vezes já se ouviu essa pergunta, ou mesmo se pensou nela, ao comprar ou jogar fora um pet? Pois é, os números mostram que essa “coisica de nada”, essa garrafinha, tem causado muito estrago, em todos os cantos do planeta. Olha só: dados da Associação Brasileira de Industria do Pet (ABIPET), no seu Censo de Reciclagem no Brasil (2016), apontam que a taxa de reciclagem no Brasil, no ano anterior, era de 51% ou 274 kton. Hoje a compra de pets reciclado se dá de três formas, em garrafa/fardos (25%), flocos (65%) ou granulado (10%), com uso têxtil (camisetas, enchimento de travesseiros), lâminas e chapas para construção civil, embalagens, resinas para indústria automobilística, química.

Mas vamos inverter a conta? Reciclando-se 51% do volume total tem-se nada menos que 263 kton (49%) sendo descartado todo ano em qualquer lugar, literalmente “pesando” nos mares, rios, terrenos, sarjetas. Continuando nas contas, kton são 1000 toneladas. Se 1 tonelada tem 1000 quilos, e se uma garrafa pet de 2 litros, vazia, pesa em torno de 50 gramas…já imaginou o volume gigantesco desse lixo que tem sido espalhado em nossas cidades?

E nos oceanos? Há uma “ilha”, de dimensões quase continentais de cerca de 1000 km², localizada no Oceano Pacífico entre as costas da Califórnia e o Havaí com cerca de 4 milhões de toneladas de todo tipo de objeto plástico (2013). Mídia e governos não têm dado atenção por não estar em rotas comerciais ou de turismo. Sem impedimentos, ela cresce ano a ano e é uma ameaça real a toda vida, marítima ou humana.

O Greenpeace divulgou dados de produção da gigante Coca Cola, estimando-se que a companhia produza mais de 110 bilhões de garrafas descartáveis a cada ano – um número impressionante de 3.400 por segundo. A multinacional não divulga números embora confirme que essa embalagem representou 59% do total produzido em 2016, contra 58% em 2015. Afirmam que no Reino Unido (Inglaterra, Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales) os pets têm 25% de material reciclado e prometem dobrar essa quantia para 50% até 2020.

No entanto essas metas parecem sumir no fluxo dominante do consumo anual de cerca de 500 bilhões de pets, de acordo com o jornal britânicoThe Guardian. A tendência na fabricação mundial dessas embalagens não é de mudança, pelo menos não a curto e médio prazos, pois ainda há grandes vantagens relativa a custos, demanda do consumidor etc.O que fazer com essa imensa montanha de lixo plástico que se acumula no mar, na terra, ao nosso redor?

Notícias excelentes se avizinham, com a participação da excelência da pesquisa brasileira! Um grupo de pesquisadores da UNICAMP e de universidades do Reino Unido e Estados Unidos estão juntos no desenvolvimento de possibilidades de degradação do pet de forma totalmente inovadora. O estopim da história foi a descoberta por uma equipe japonesa, em 2016, de uma bactéria encontrada na natureza batizada de Ideonellasakaiensis, a qual “devora” o plástico em poucos dias, o que na natureza levaria dezenas e dezenas de anos. Ora, a partir daí entrou em ação o grupo, para atuar em frentes de estudo detalhado de funcionamento desta bactéria, e da sua enzima, que capta energia para viver deste tipo de plástico, e um dos mais difíceis de serem degradados.

O Instituto de Química da UNICAMP sedia um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), financiado pela FAPESP, órgão estadual de fomento à pesquisa, e coube à sua equipe o uso de modelos computacionais para obtenção de estruturas tridimensionais dessa enzima, a PETase, de forma a entender seu funcionamento, a nível molecular. Segue uma ilustração desse processo que foi produzida digitalmente:

 

A degradação do pet por essa bactéria (e sua enzima) não consome 100% da pet. O resíduo que sobra são pequeninas moléculas, que são matéria prima para processos industriais de fabricação em larga escala e volume, de fármacos até biocombustíveis, ampliando sobremaneira a reciclagem desse plástico. Prof. Skaf, do grupo, avalia “A ciência é uma atividade global. Nossas pesquisas são feitas principalmente aqui, mas estamos conectados com o resto do planeta. Isso agrega valor às investigações. A cooperação é essencial, do contrário corremos o risco de criar um ambiente competitivo e de duplicarmos esforços (…)Desta forma abrem-se oportunidades de os pesquisadores trabalharem num ambiente multidisciplinar, no qual um biólogo aprende com um químico computacional e vice-versa.”

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Como vimos, uma garrafinha pet dá “pano pra manga”, e reduzir seu consumo é opção viável. Ah, mas agora tem azulzinhas, amarelas…uma graça! Ops! Diz-se que o corante usado também pode ser danoso pra saúde. Mas isso já é outra história…

Para saber mais: http://agencia.fapesp.br/pesquisa_melhora_enzima_que_degrada_plastico/27651/


ELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS

Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola.

 

 

 

 

CRÉDITOS/FOTOS

.Garrafas praia – https://bit.ly/2r6H4TM

.Pets em água parada – https://bit.ly/2jfdY17