O ser humano é mais animal do que razão. Prova disso é que depois de tantos séculos de escalada civilizatória, ele continua a praticar maldades, violência, crueldades que os irracionais não ousam perpetrar.
O Brasil, considerado um “país cordial”, na visão idílica de quem se ufana da alegria espontânea, da informalidade, da música e do congraçamento, é a terra em que os jovens estão morrendo precocemente. A juventude é a maior vítima e, ao mesmo tempo, a maior perpetradora de homicídios.
Mais de 60 mil mortes anuais levam para o túmulo jovens que poderiam viver por muitas décadas. Um prejuízo para a harmonia, a destruição de famílias, o desenho de um cenário catastrófico. Lamentável que em pleno século XXI, que foi prometido como a era do ócio, do lazer, da diversão, do tempo disponível para o deleite, ofereça aos viventes essa visão apocalíptica.
Não há como acabar com a violência. Ela está no recôndito do ser humano e basta pouco para desencadeá-la. Que o digam as mulheres espancadas por seus companheiros dentro do lar. Em todos os estamentos sociais, que maldade não é característica ínsita a uma classe.
Todavia, há como reduzi-la. Sei que sou minoria nesse ponto. Mas o descontrole no uso de armas de fogo é um fator que estimula o crescimento dos assassinatos. Arma para matar sequer deveria ser fabricada. A tecnologia já dispõe de instrumentos de paralisação do violento, de neutralização de seus instintos. Não é preciso colocar esse termo inapelável que é a morte, para coibir qualquer atitude repudiável.
Mas o tema envolve outras considerações. A droga chegou, se instalou no seio das famílias e cooptou a juventude. Como a ilicitude não atende às regras do mundo chamado civilizado, a violência é a fórmula utilizada para o acerto de contas. Para liquidar concorrência. Para punir o consumidor que não paga pelo entorpecente. Para marcar espaço e para eliminar aquele subalterno que não atendeu à hierarquia do tráfico.
A fragmentação do sistema Justiça é também um fator de preocupação permanente. Duas polícias, a militar, que enfrenta a trincheira e que previne aquilo que molesta o convívio, a civil, encarregada de atuação denominada “judiciária”. Deveria investigar, trabalhar com estratégias de inteligência, se antecipar à eficiente organização da ilicitude. Depois o Ministério Público, titular da ação penal e as duas Justiças comuns, a Estadual e a Federal. Tudo a desaguar no equipamento Penitenciário.
Falta coordenação, falta foco, falta envolvimento da população, eis que a sociedade é também chamada a se responsabilizar pela segurança pública.
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Mas o que falta mesmo é descobrir como a educação precisa ser reinventada para que o ensino deixe de se preocupar apenas com a transmissão de conhecimento – este nunca foi tão disponível e tão acessível – mas com a formação do caráter, com o aplainar da ira, com a edificação de um convívio harmônico, de paz e de fraternidade.
Esse o segredo para reduzir a violência, que hoje gera tantas lágrimas, tanto desespero e tanto desalento, a fortalecer a sensação de que a humanidade pode ter sido um projeto frustrado. (Foto acima: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
JOSÉ RENATO NALINI
É secretário estadual de Educação e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.