O anoitecer, a silhueta da cidade e um POEMA de Drummond

A internauta Laura Scabin Vicinansa registrou a silhueta da cidade e deixou-se inspirar, legendando a foto com um poema de Carlos Drummond de Andrade. As palavras se encaixaram a imagem. Parecem que foram criadas num único momento.

                                                         Anoitecer

“É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.

É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo;
desta hora tenho medo.

É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz — morte — mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.

Hora de delicadeza,
agasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.”

(Carlos Drummond de Andrade
In: A Rosa do Povo, 1945)

Imagem originalmente publicada no Facebook “Jundiaí em Fotos”

VEJA TAMBÉM:

O URBANO E O RURAL SE MISTURAM NO BAIRRO DA COLÔNIA