Nos últimos cinco anos, Karine Baldo de Gênova Campos, 33 anos, estudou os elementos potencialmente tóxicos nos sedimentos dos rios Jundiaí e Capivari. Ela fez uma avaliação dos critérios de toxidade e parâmetros de controle. Em março deste ano ela defendeu a tese.
O Jundiaí Agora – JA – conversou com Karine (foto ao lado), que é bacharel em Química pela Fundação Educacional do Município de Assis(SP).
Ela é mestre em Ciências Ambientais pela Universidade Federal da Grande Dourados (MS) e agora doutora em Ciências pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Piracicaba/SP) da Universidade de São Paulo .
Por que decidiu estudar os rios Capivari e Jundiaí?
Ao iniciar o doutorado já havia um projeto de pesquisa em andamento nessas duas bacias, intitulado ““Hidrogeoquímica dos rios Jundiaí e Capivari, SP: aspectos de influência antrópica nas cargas dissolvidas e particuladas”. São duas bacias de destaque na região, com a descentralização do polo industrial de Campinas, ambas regiões se desenvolveram rapidamente criando grandes centros urbanos e industriais, principalmente na região de Jundiaí.Outro ponto é que são importantes afluentes do rio Tietê.
Quando foi feito este estudo?
Meu estudo se iniciou no segundo semestre de 2012 e foi finalizado em março de 2017.
Como? Coletando amostras? Em determinados trechos?
Foram coletadas amostras de sedimento de fundo em perfil de profundidade em três estações de amostragem de cada rio estudado, caracterizados como pontos próximo as nascentes, meio da bacia e próximo à foz. Na bacia do rio Jundiaí, as estações de amostragem se encontram nas cidades de Campo Limpo Paulista (próximo as nascentes), em Itupeva (meio da bacia) e em Salto (próximo à foz).
No caso do rio Jundiaí, o que constatou?
No estudo realizado foi identificado o grau de toxicidade dos principais elementos potencialmente tóxicos (Co – cobalto, Cr – cromo, Cu – cobre, Zn – zinco, Cd – cadmio, Ni – níquel e Pb – chumbo) utilizando valores-guia de qualidade dos sedimentos (VGQS). Também foi determinado valores de fundo geoquímico natural regional para a bacia do rio Jundiaí, que servirá como referência para futuros estudos.
Amostrador tipo torpedo para coleta pontual de sedimentos de fundo fluvial em perfil de profundidade (A); detalhe da amostragem com o equipamento (B e C)
Os valores-guia surgiram a partir da necessidade em orientar e gerenciar o destino de materiais originados de dragagem, e se estendeu aplicando-se em uma variedade de causas, incluindo a interpretação de dados históricos, pesquisas científicas, planejamento de programas de monitoramento, mapeamento de áreas de risco, avaliação de risco ecológico e conduções de medidas remediadoras, entre outros, sendo comum a utilização de VGQS, delineados por órgãos federais, estaduais ou comitês reguladores para indicar a existência de contaminação de sedimentos em organismos bentônicos de um determinado local, através das concentrações dos elementos potencialmente tóxicos.
Apesar dos valores-guia serem ferramentas de orientação na interpretação das concentrações de contaminantes em sedimentos fluviais, não são integralmente adequados se aplicados sozinhos para fins de regulamentação, pois apresentam diversas limitações. A maior objeção imposta pelos valores-guia é sua falta de universalização, pois estes são completamente específicos ao local de sua origem.
A utilização de valores-guia apenas dá uma ideia da toxicidade dos elementos em sedimentos fluviais, pois não leva em consideração o fundo geoquímico natural regional. Portanto, o conhecimento dos elementos característicos de um ambiente geoquímico natural de uma área investigada, ou seja, da rocha geradora, é de fundamental importância para a avaliação da poluição local, auxiliando na tomada de decisões para remediação de áreas potencialmente contaminadas.
O que seria, de forma simples, esta toxidade encontrada?
Estudar a toxicidade dos elementos em um ambiente fluvial utilizando valore-guia de qualidade dos sedimentos fornecem resultados preliminares importantes, no entanto é necessário mais estudos para afirmar o grau de toxicidade dos elementos estudados no ambiente aquático em foco.
Os possíveis problemas relacionados à pergunta acima aparecem no rio todo ou apenas em alguns trechos?
Quando falamos em rio, logo pensamos em água, e o ambiente fluvial é extremamente dinâmico, envolvem regimes de cheia e seca, entrada e captação de água, dragagem e despejo de efluentes, e muitos outros eventos. A água que corre no leito do rio traz informações imediatas do que esta acontecendo na bacia. Já os sedimentos são também compartimentos dinâmicos, mas que conseguem armazenar a característica desses eventos no local, possibilitando uma avaliação histórica da bacia quando amostrado em perfil de profundidade. Então não é possível comparar trechos, uma vez que cada estação de amostragem apresentam características únicas do local.
Na região de Jundiaí(que consideramos de Campo Limpo até Itupeva), qual é a situação?
Na estação de amostragem localizada em Itupeva a maioria dos elementos potencialmente tóxicos estudados apresentaram uma diminuição da concentração nos sedimentos mais antigos para os mais recentes, como não fizemos datação (analise para saber de quando era esse sedimento) não podemos afirmar nada, mas acreditamos que esta relacionado com as instalações de estações de tratamento de esgoto nas cidades que despejavam esgoto in natura no rio Jundiaí entre o trecho de Campo Limpo Paulista e Itupeva.
Para o leitor entender, poderia dar exemplos do grau de toxidade existente hoje no rio Jundiaí?
Hoje no Brasil não há valores de referência de toxicidade dos elementos para sedimentos, no entanto são utilizados os valores-guia de solo proposto pela Cetesb na avaliação. É importante ressaltar que, posso ter altas concentrações de determinado elemento no sedimento local, concentrações consideradas de risco para a saúde humana utilizando os valores-guia da Cetesb, mas a maior parte desse elemento pode não estar biodisponível.
A biodisponibilidade pode ser definida como a fração de espécie química que está disponível, mediante processos físico-químicos ou biológicos, capazes de serem capturadas pelos organismos vivos passando a fazer parte de seus processos metabólicos.
Sendo assim no caso rio Jundiaí foi verificado, entre a maioria dos elementos estudados, nos sedimentos de fundo amostrados nas estações de amostragem próximo à nascente e a cidade de Itupeva, taxas de toxicidade acima do permitido pela Cetesb para solo. No entanto, na estação próximo a nascente não foi observado biodisponibilidade desses elementos, já na estação intermediária da bacia (Itupeva) os elementos Cu, Co, Zn e Pb se mostraram em maior porcentagem ligados à fase biodisponível do sedimentos, associados principalmente à fração da matéria orgânica (Cu) e aos óxidos de ferro e manganês (Co, Zn e Pb).
O que isso implica/significa? Que esses elementos biodisponíveis estão ligados aos sedimentos e para se tornarem efetivamente biodisponíveis para o meio aquático seriam necessárias condições bem específicas, como por exemplo, temperatura elevada e pH baixo.
Portanto, esses resultados são importantes e relevantes, pois o ambiente aquático é dinâmico, e tais elementos deveriam ser monitorados com mais frequência nesse ambiente. Importante também seria investigar que atividade antropogênica estaria contribuindo para o enriquecimento desses elementos no rio Jundiaí e procurar minimizar sua entrada no corpo hídrico.
Lembrando que meu trabalho é apenas uma pequena parte de estudos ambientais que auxiliam no entendimento da dinâmica do rio Jundiaí.
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Quais as origens destes problemas? São recentes ou antigos?
O rio Jundiaí é considerado um rio urbano, uma vez que inúmeras cidades cresceram em suas margens. Sendo assim, diversas ocorrências contribuem para a entrada de contaminantes no eixo fluvial, podemos considerar como as principais a falta de margem reflorestada e o lançamento de efluentes industriais e domésticos sem prévio tratamento no leito do rio.
Existe algo que pode ser feito para eliminar a toxidade? Ou só o tempo capaz de fazer isto?
A diminuição do lançamento de contaminantes, seja ele doméstico, industrial ou agrícola, associado a preservação das margens, determinadas por lei, já é um grande avanço para preservarmos o que temos de mais valioso para sobrevivência do ser humano, a água.
Esta toxidade encontrada no rio é algo grave para os seres humanos, plantas, peixes, etc?
Existem ensaios de toxicidade que respondem isso, infelizmente meu estudo não englobou ensaios toxicológicos.
Este estudo já passou por avaliação? Foi tese de mestrado, doutorado? De qual instituição de ensino? Qual o resultado que obteve?
Este estudo fez parte da minha tese de doutorado defendida em março deste ano e intitulada “Elementos potencialmente tóxicos nos sedimentos dos rios Jundiaí e Capivari: avaliação dos critérios de toxicidade e parâmetros de controle” sob orientação do professor doutor Jefferson Mortatti do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) da Universidade de São Paulo (USP).
– Hoje, o Governo do Estado/Sabesp (e todas as prefeituras da região) dizem que o rio Jundiaí está despoluído. A prefeitura de Várzea até fez pescaria nele para provar isto. Com este estudo da senhora, tecnicamente é possível fazer esta afirmação: o rio Jundiaí realmente está despoluído?
Prefiro não opinar sobre isto. Meu trabalho não teve como objetivo avaliar se as medidas implantadas na bacia do rio Jundiaí para prevenir a poluição do rio foram efetivamente positivas. Portanto, seria leviano eu responder que sim ou não, na medida em que minha conclusão não apresentou resultados consistentes e afirmativos quanto a isso.
A senhora pretende levar seu trabalho às Prefeituras, Sabesp e Governo do Estado?
Meu trabalho é público, pois se trata de uma tese de doutorado e esta disponível no seguinte link: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/64/64135/tde-26052017-091207/pt-br.php. Eu enviei para órgãos públicos de interesse, mas não obtive retorno. Alguns resultados foram publicados em anais de congressos científicos e revistas especializadas.
Parte da equipe de Hidrogeoquímica do Centro de Energia Nuclear na Agricultura CENA/USP à beira do rio Jundiaí, em Itupeva. Da esquerda para a direita: Graziela Meneghel de Moraes, Helder de Oliveira, Karine Baldo de Gênova Campos e José Aurélio Bonassi
O que espera deles?
Eu espero que meu trabalho sirva de orientação para futuras tomadas de decisão das autoridades locais das bacias dos rios Jundiaí e Capivari.
Ministério Público – O Jundiaí Agora – JA – conversou com o promotor Claudemir Battalini, responsável pelo Meio Ambiente de Jundiaí e Região. Ele não tinha conhecimento desta tese e explicou que não é possível ainda dizer que o rio Jundiaí está despoluído. Ele lembrou que isto levará anos para ocorrer.
De acordo com o promotor, ainda podem existir despejo de esgoto in natura no rio já que há muitas redes antigas e que não foram detectadas. Em Várzea, segundo ele, é muito comum encontrar redeS de esgoto ligadas à rede de água pluvial. Existe ainda a chamada ‘poluição difusa’, ou seja, a água da chuva que leva para o rio fezes de animais, óleo de veículos e outras substâncias que estão nas ruas, avenidas e praças.
“Estamos atentos e fazemos frequentemente fiscalizações para localizar redes que despejam esgoto diretamente no rio. As pessoas podem denunciar estes casos na Cetesb, por exemplo”, concluiu.