Nos últimos anos, Jundiaí tem enfrentado uma oscilação entre avanços e retrocessos no que diz respeito às políticas sociais, uma situação que afeta diretamente os direitos das pessoas com deficiência. Vamos aos fatos: em 2013, com a posse do então prefeito Pedro Bigardi, houve um significativo progresso, marcado pela criação de coordenadorias sociais, incluindo a Coordenadoria da Pessoa com Deficiência (COPEDE), a qual tive a honra de coordenar. Essa iniciativa atendeu aos anseios dos movimentos sociais da cidade. Além da COPEDE, foram criadas mais quatro coordenadorias: Igualdade Racial, Apoio aos Conselhos Municipais, Mulher, Idosos e Juventude. Todas estavam diretamente ligadas ao gabinete do prefeito, conferindo-lhes status equivalente ao de secretarias, o que fortalecia sua atuação política e facilitava a implementação de ações junto às demais secretarias municipais.
Naquele momento, embora Jundiaí já contasse com o Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que teve méritos em muitas conquistas, até então não havia um Plano Municipal de Acessibilidade ou um setor específico para coordenar as políticas públicas voltadas a essa parcela da população. As ações eram, em grande parte, pontuais e paliativas, ficando a cargo de cada secretaria em suas respectivas áreas.
A desconstrução do assistencialismo e o avanço das políticas públicas – As políticas voltadas às pessoas com deficiência eram historicamente assistencialistas e paternalistas, marcadas por vícios e pelo capacitismo. Diante desse cenário, encontramos uma cidade com inúmeros obstáculos físicos e atitudinais a serem superados para que Jundiaí pudesse se tornar, de fato, uma cidade para todos.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI – Lei nº 13.146/2015) determina, em seu artigo 4º, que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”. No entanto, sem a devida estrutura administrativa e vontade política, essas garantias se tornam apenas palavras no papel.
A COPEDE, desde sua criação, teve como principal desafio desconstruir essa visão assistencialista, promovendo uma abordagem baseada no reconhecimento das pessoas com deficiência como cidadãos plenos de direitos. Durante os quatro anos em que estive à frente desse processo, buscamos instaurar uma nova lógica na administração pública, na qual as pessoas com deficiência e suas famílias não fossem vistas apenas como beneficiárias de políticas públicas, mas como protagonistas na formulação e implementação dessas políticas.
A estrutura da COPEDE foi definida em reuniões com o prefeito eleito, representantes do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, do Núcleo de Assistência à Pessoa com Deficiência (NAPD), além de membros de movimentos sociais e da sociedade civil. Sua criação foi aprovada pela Câmara Municipal como parte da mini reforma administrativa da época, por meio da Lei nº 7.996, de 27 de fevereiro de 2013 (Art. 8º).
O ‘Circula Jundiaí Adaptado’: um modelo de inclusão no transporte público – Entre os projetos realizados pela coordenadoria, destaco um que se tornou a “pupila dos meus olhos”: o “Circula Jundiaí Adaptado”. Esse projeto representou, para mim, a luta pela garantia de um transporte digno para as pessoas com deficiência.
O acesso ao transporte público acessível é garantido pelo artigo 46 da LBI, que determina que “o direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.
Para garantir essa equidade, foi criado o programa de governo “Circula Jundiaí Adaptado”, com atendimento porta a porta. O programa contou com 10 vans adaptadas, equipadas com sistema de som, ar-condicionado e plataformas elevatórias de última geração, garantindo acessibilidade e conforto aos usuários. Além disso, cada veículo contava com monitores capacitados para acompanhar os passageiros durante todo o percurso da viagem, assegurando um atendimento humanizado e de qualidade.
As pessoas transportadas eram levadas a diversas entidades para atendimento de saúde e reabilitação. No final da nossa administração, o “Circula Jundiaí Adaptado” realizava, em média, três mil atendimentos por mês, um número significativo que demonstrava a importância e o impacto do programa na vida das pessoas com deficiência e suas famílias.
O segundo momento desse programa previa a ampliação da frota, possibilitando sua utilização para além da área da saúde, contemplando também o acesso ao lazer, cultura, esporte e educação. Essa ampliação garantiria maior independência e inclusão social para os usuários, fortalecendo o direito de ir e vir e promovendo uma Jundiaí mais acessível para todos.
O desmonte da política municipal e o impacto na população – Contudo, nos últimos anos, observamos um enfraquecimento das políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência em Jundiaí. A extinção da COPEDE pelo então prefeito Luiz Fernando Machado deixou em seu lugar apenas uma assessoria, que não teve força política para realizar mudanças profundas nesse setor.
Porém, quando pensei que não poderia piorar, Gustavo Martinelli, prefeito eleito na última eleição, além de não reativar a coordenadoria, extinguiu também a assessoria. E até o momento desta publicação, não demonstrou qualquer interesse em retomar essa estrutura.
Essa situação fere diretamente os princípios da LBI, que estabelece em seu artigo 9º que “é dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à educação, ao trabalho, à assistência social, à previdência social, à cultura, ao esporte, ao turismo, ao lazer, à tecnologia, à habitação, ao transporte, à mobilidade e à acessibilidade”. Sem um órgão estruturado para coordenar essas políticas públicas, a cidade de Jundiaí anda na contramão da inclusão e da acessibilidade.
A necessidade de mobilização e cobrança por parte da sociedade – É fundamental que essa pauta volte a ser prioridade na gestão pública, garantindo que Jundiaí avance rumo a uma cidade verdadeiramente inclusiva e acessível. O Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, juntamente com os vereadores, deve cobrar do atual prefeito uma posição clara sobre esse tema. Caso contrário, estará corroborando com a visão de que as pessoas com deficiência são tratadas como “cidadãos de segunda classe”, o que representa um retrocesso inaceitável em nossa luta por direitos e inclusão.
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A sociedade civil precisa se mobilizar, pois a perda de direitos ocorre de maneira gradual e silenciosa. Se não houver uma reação firme contra esse desmonte, corremos o risco de perder todos os avanços conquistados com tanto esforço. Os direitos das pessoas com deficiência não podem ser tratados como secundários já que são fundamentais para a construção de uma sociedade justa, equitativa e acessível a todos. Que Jundiaí não seja lembrada como um exemplo de retrocesso, mas sim como uma cidade que respeita, valoriza e garante a dignidade de todos os seus cidadãos, sem exceção.

REINALDO FERNANDES
É assistente social, pós-graduado em docência no curso superior e em Gestão em Políticas Públicas, tutor presencial na Faculdade Anhanguera, membro titular do CMAS, com experiência em políticas públicas, diversidade e inclusão social. Foi o primeiro coordenador dos Direitos das Pessoas com Deficiência em Jundiaí”
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