O único sentimento incondicional, que,literalmente, não está ligado à condição prévia alguma, é o amor materno. Esse sentimento é livre, dado de graça, ou quase.
Impossível não amar aqueles bracinhos abertos em nossa direção, ou o brilho dos olhos quando nossos bebês nos olham. Irresistível o abraço apertado depois de um dia de separação e aquele cheirinho de leite azedo. Eles crescem e passamos a amar qualquer conquista nova e os amamos mais ainda em seus fracassos.
Nossos filhos crescem assim como nosso amor por eles e nada que eles façam, por mais dolorido, frustrante ou ingrato que seja, poderá mitigar esse amor.
Nunca desistir é o fardo e a recompensa materna.
Mas não é desse sentimento que estou falando, hoje quero falar do amor entre homem e mulher.
Ainda existe? O que aconteceu com ele?
Não estou falando de príncipes e princesas, nem do amor condicionado, aquele que precisa de uma condição para existir: dinheiro, posição, poder, entre outros que nada lembram amor.
Sabe aquele sentimento que te tira o fôlego? Deus!! Como respirar quando ele(a) passa?
O coração parece se dividir em 10 órgãos: ele bate no peito, na cabeça, na garganta, nas pernas, na barriga, nos olhos, nos ouvidos, mas mãos….as glândulas sudoríparas trabalham a todo vapor e o cheiro de gambá torna-se inevitavelmente insuportável.
É o amor em toda a sua glória e odor.
Ele chega sem aviso e arrebata os apaixonados e, a partir daquele momento, parece que não será mais possível viver sem o par.
Até que a primeira desavença ocorra.
Pode ser em alguns meses ou anos, mas ela virá e assim mostrará que o amor foi construído sobre palha. No primeiro sopro de ventos turbulentos ele desmorona.
Era amor mesmo?
Na certa era, mas a intolerância foi maior que ele.
E aquelas relações aparentemente fortes, resistentes, há anos superando obstáculos e intempéries. Por que acabam?
Dois casais famosos chamaram muito a atenção da mídia por esse motivo: seus casamentos aparentavam ser inabaláveis.
Aparentavam.
Depois de vários anos juntos e filhos bem crescidos, Marieta Severo separou-se de Chico Buarque (quase 30 anos) e Fátima Bernardes de William Bonner (após 16 anos).
Eu tenho uma opinião: relações conjugais não são incondicionais.
Em algum momento do nosso desenvolvimento/crescimento passamos a acreditar nesse absurdo.
A relação de um casal não deve se basear nessa prerrogativa. Uma mulher não ama um homem incondicionalmente e vice-versa. Isso é ilusão. Um erro enorme!
Por que estou falando isso? Porque tenho olhos para ver e ouvidos para ouvir.
Quantas relações ao redor estão plenamente felizes? Conto nos dedos de uma única mão. E eu conheço muita gente.
Basta observar as relações próximas e até mesmo a nossa. Em algum momento acreditamos nesse absurdo: que não importa o que aconteça ou o que façamos, seremos perdoados. Sim, uma, duas, 10, 100 vezes, não eternamente, a não ser que tenha se casado com Deus ou no mínimo com um espírito elevadíssimo.
Somos seres imperfeitos e, embora haja amor, ainda queremos algo em troca: carinho, atenção, proteção. Não é incondicional o amor que oferecemos.
Em algum momento na vida de um casal, um dos pares desaparece do radar do outro e passa a não existir como o seu antigo amor, mas como o provedor, a empregada, o pai, a mãe….cadê o espaço que esse ser ocupava nessa família?
Em tempos de Tinder, é muito fácil trocar uma empregada pela amante, um provedor por uma emoção.
“Depois de muita briga e indiretas via Facebook, ela foi embora. Meses depois pediu que a mãe falasse com o genro, explicando que ela estava arrependida. Peraí! Ela nem avisou que ia embora (pensou ele) e agora não tem coragem de falar que se arrependeu. Ele respondeu: quem se arrependeu foi ela, eu não me arrependi de nada”.
“Ela cuidou do pai dele por três anos. Não teve vida própria desde então. Ele passou a fazer mais companhia ao pai do que a ela. Ele nem dormia mais com ela. Ela não ficava mais na sala nem participava das reuniões familiares e ele não percebeu, não perguntou o que estava acontecendo. Ela se sentia um fantasma perambulando pela própria casa. Quando ela falou que não aguentava mais, ele estranhou e não entendeu”.
“Ele tomou a secretária por amante. Desde o início do casamento com uma linda e bem-sucedida jovem. Pretendia mantê-las para sempre. Uma sabia da outra e lutava com suas ferramentas e méritos para manter o relacionamento. A esposa não suportou mais a humilhação pública e pediu o divórcio, após longos e humilhantes 35 anos de casamento. Ele não deu”.
São apenas três histórias, mas eu poderia contar duas dúzias delas aqui.
Entendeu quando eu disse que esse amor não é incondicional?
Uma hora as pessoas cansam e desistem umas das outras.
E é agora que eu vou chegar ao lugar comum: o amor precisa ser cuidado dia a dia. Não basta deixá-lo em um canto e esperar que ele sobreviva sem sol, sem água.
Temos necessidade de sermos amados.
“Eu te amo” é pouco para relações longas. Quer que o seu casamento dure? Faça mais. Não importa se você fala, importa se você faz um carinho, manda entregar flores sem datas especiais, compra um mimo por que se lembrou dele, controlou as palavras duras durante a TPM, sentou-se ao seu lado e segurou sua mão enquanto assistiam a um programa de TV, alisou seus cabelos porque ele(a) gosta, fez uma massagem nos pés ao final do dia.
É só observar os casais de relações duradouras. Eles fazem isso. Podemos aprender observando exemplos bem sucedidos.
A atenção vale mais que um milhão de “eu te amo” disparados ao vento, que perde todo o sentido quando um deles desaparece do radar do outro.
Difícil? É sim, mas se não queremos uma relação feito um trapo de chão ou uma colcha de retalhos, que só existe por que é cômoda para todos, precisamos nos esforçar um pouco mais. Dar aquilo que queremos receber. O princípio de qualquer relação.(Foto: tempomagico.com.br)
ELAINE FRANCESCONI
Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora.
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