Este é o segundo texto dedicado ao “Janeiro Branco”, mês de conscientização sobre a importância da saúde mental. Na coluna anterior eu argumentei que a saúde mental não deveria ser um luxo, mas sim um atributo de dignidade em nossas vidas. Aqui vou propor uma reflexão sobre um dado alarmante, recém divulgado: no Estado de São Paulo, o total de procedimentos clínicos e internações relacionados à ansiedade na infância e adolescência, entre 2015 e 2024, teve alta de 465%. No mesmo período e faixa etária, as ocorrências ligadas à depressão aumentaram 151%.
Estariam as nossas crianças e adolescentes vivenciando uma pandemia de agravos em saúde mental? Penso que os números acima, alinhados a outras fontes de pesquisa científica, são indicadores inequívocos da presença deste fenômeno social, deveras preocupante e desafiador. Mas se essa é uma realidade dos nossos tempos, qual seria a sua origem?
Muitas hipóteses explicativas apontam para o surgimento, a partir dos anos 2010, do excesso de uso de tela em tablets e, sobretudo, nos smartphones. Sabemos que a superexposição aos estímulos dopaminérgicos das timelines, em idades cada vez mais precoces, causam estragos, prejudicando o desenvolvimento psicoemocional de crianças e adolescentes, além de impactar nos aspectos cognitivos e motores. Entretanto, apesar deste elemento tecnológico ser um condicionante poderoso, ele não pode ser considerado determinante. Há mais variáveis nesta delicada equação.
Uma que quero propor, e que passa despercebida pela maioria das pessoas, é a possibilidade de estarmos vivenciando ansiedade e depressão hereditárias, ou seja, uma herança que, mesmo não sendo genética, é socialmente construída. É possível que a ansiedade e a depressão, na infância e adolescência, tenham uma origem intergeracional, sendo, de alguma forma, transferidas pelos pais às nossas crianças e adolescentes. Vou explicar melhor.
Em linhas gerais, a ansiedade tem uma base no “medo”, no excesso de tentativas de imaginar o futuro, de antecipá-lo, torná-lo previsível e controlado. Só que o futuro nunca foi tão incerto e “líquido”, como disse Zygmunt Bauman em “Modernidade Líquida”. Famílias precisam de trabalho para sobrevivência, e têm medo de perder o emprego, medo de não conseguir recolocação, medo do despejo iminente, medo da fome, da privação. Isso gera ansiedade na mãe e no pai.
Já a depressão tem uma base na “perda”. Mães e pais “perdendo” suas carreiras, sem a possibilidade de reconstruí-las, resultado de todo um processo de precarização/superexploração do trabalho. São os efeitos nefastos da doutrina (ultra)neoliberal, que tem adoecido as pessoas adultas. O psicanalista Christian Dunker desenvolveu, a partir deste contexto psicossocial, a “hipótese depressiva”, ou seja, uma epidemia de depressão em pessoas adultas que sinaliza a quantas anda nossa saúde mental.
A linha teórica do pediatra e psicanalista Donald Winnicott afirma que o desenvolvimento psicoemocional sadio das crianças e adolescentes, desde bebês, é resultado de um “ambiente suficientemente bom”. Mas como anda esse ambiente familiar? Ansioso e deprimido! É neste ponto que surge a chave para a relação intergeracional. Mães e pais, adoecidos, transferem seus adoecimentos para a prole. Com isso, bebês, crianças e adolescentes, em um ambiente que falha demasiadamente nos cuidados, desenvolvem psicopatologias.
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Por fim, soma-se outro aspecto psicossocial relativo à precarização do trabalho atual, que é a competição exacerbada. Muitas famílias, na ânsia de preparar as crianças para serem competitivas no mercado de trabalho, submetem a prole em jornadas exaustivas de atividades, cada vez mais cedo, no contraturno da escola. Com efeito, observamos muitas crianças com agendas lotadas, inglês, Kumon, robótica, programação, ginástica cerebral (pasmem) e, pior que tudo, sem tempo para brincar, fruir, contemplar, fundamentais para se tornarem sujeitos integrados e maduros emocionalmente.
Quando o filósofo Byung-Chul Han cunhou o termo “sociedade do cansaço”, ele argumentou que a hiperconectividade e a busca frenética por desempenho e produtividade, sem possibilidade de contemplação, adoece pessoas adultas. Para a nossa surpresa, este mesmo adoecimento tem sido transferido para nossas crianças e adolescentes.(Foto: Cottonbro Studio/Pexels)

MARCELO LIMÃO
Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP. Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042
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