Acorda-se com o despertador. Antes mesmo do primeiro bocejo, a notificação já chegou: o mundo exige pressa. Levanta-se, escova-se os dentes, corre-se para o trabalho ou para a escola. O tempo não permite hesitações. Tudo tem que ser agora, tudo tem que ser muito, tudo tem que ser perfeito. A modernidade, com seus brilhos de avanço e velocidade, carrega também um peso escondido: a ansiedade que corrói por dentro os vínculos, os afetos, os sonhos.
Vivemos em uma época em que estar em paz parece suspeito. É como se a tranquilidade fosse sinônimo de improdutividade, e o descanso, um luxo que só os desatentos podem ter. A ansiedade tornou-se quase uma linguagem comum. Ela habita os corredores escolares, os lares em silêncio, os espaços públicos onde cada um está imerso em sua própria inquietação.
Nas escolas, essa ansiedade se manifesta em corpos agitados, em olhares perdidos, em choros abafados. Alunos carregam não apenas mochilas pesadas, mas cobranças, medos, comparações. A escola, que deveria ser território de descoberta, tem sido, muitas vezes, espaço de cobrança e performance. Em nome do futuro, sacrifica-se o presente.
Crianças e adolescentes se veem pressionados a saber tudo, a escolher cedo demais, a produzir resultados — como se fossem pequenos adultos em formação para um mundo que pouco acolhe suas fragilidades.
O silêncio da escuta tem se perdido. Professores, também sobrecarregados, lutam para manter a atenção da turma enquanto tentam equilibrar conteúdos, metas, avaliações. Falta tempo para o afeto, para a pausa, para o “como você está?”. A escola, que poderia ser abrigo emocional, tem se tornado, muitas vezes, campo de sobrevivência emocional.
E, no entanto, é nesse ambiente que se forma a sensibilidade, a coletividade, a ideia de que o outro importa. Do lado de fora, a família também tenta acompanhar o ritmo acelerado da vida moderna. Mas como sustentar vínculos em meio a tantos compromissos, reuniões, boletos, trânsito, redes sociais e metas? Pais e mães chegam exaustos, muitas vezes sem energia para conversar com os filhos — que, por sua vez, se refugiam em telas que entretêm, mas não acolhem.
A casa, que já foi sinônimo de ninho, tornou-se extensão do trabalho, da escola, da internet. Muitos lares viraram silenciosos — não por paz, mas por ausência de convivência verdadeira. A ansiedade nas relações familiares aparece disfarçada de impaciência, de irritação, de afastamento. Faltam palavras, sobram julgamentos. Faltam abraços demorados, sobram comandos.
A correria da vida adulta desumaniza o tempo de estar com os filhos — e também com os pais, avós, irmãos. É como se todos estivessem esperando algo melhor acontecer — lá fora — enquanto o melhor da vida acontece, sem que se perceba, ali, na presença do outro.
A cultura, por sua vez, se equilibra entre o papel de entretenimento e o de resistência. Se por um lado reforça padrões inalcançáveis de sucesso e felicidade — que alimentam o ciclo ansioso da comparação —, por outro, oferece pontes: livros, músicas, filmes, poesias, danças. É na arte que muitas vezes encontramos aquilo que não conseguimos dizer: o medo, o desejo, a esperança, a dor. A cultura, quando bem aproveitada, é alívio e espelho.
Ela nos diz: você não está só. Há outros que também sentem, também choram, também resistem. Num mundo que vive acelerado, a arte ensina a respirar. Um bom livro não se lê correndo. Uma boa música precisa de silêncio para ser sentida. Uma boa conversa pede tempo. O que nos humaniza exige pausa — e é justamente a pausa que está em extinção.
A ansiedade, assim, não é apenas um mal individual, mas social. É sintoma de uma época que valoriza mais o fazer do que o ser, mais a imagem do que a essência, mais a competição do que a cooperação. E, ainda assim, há frestas de luz. Há escolas que começam a escutar mais do que exigir. Há famílias que redescobrem o café da manhã em conjunto, o domingo sem celular, a importância de estar presente sem estar apressado.
Há expressões culturais que apontam caminhos, que oferecem trégua, que resgatam a beleza do tempo lento. Talvez seja o momento de aprendermos com os mais velhos — que não sabiam o que era ansiedade em termos clínicos, mas sabiam cultivar o tempo. Que sabiam que uma boa conversa pode durar uma tarde inteira, que sabiam que cozinhar juntos era mais importante do que apenas alimentar-se, que sabiam que cuidar é também esperar.
Talvez seja hora de ensinar às novas gerações que a vida não é uma corrida, mas um caminho. Que o valor de uma pessoa não está na produtividade, mas na humanidade. Que a escola pode ensinar com ternura. Que a família pode ser colo e não cobrança. Que a cultura pode libertar e não apenas distrair.
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A ansiedade não se combate com mais aceleração, mas com coragem de desacelerar. E para isso, precisamos de escolas que formem pessoas e não apenas profissionais; de famílias que ofereçam presença e não apenas estrutura; de culturas que inspirem e não apenas vendam.
Em meio a tanto barulho, talvez o mais revolucionário seja aprender a escutar. A escutar o outro, a escutar a si mesmo. Porque, no fim, o que todos buscamos — por mais que disfarçado — é exatamente isso: um lugar onde possamos ser quem somos, sem medo, sem pressa, sem culpa.(Lisa from Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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