Percebo a grande dificuldade das pessoas em separar os compromissos das obrigações. Os primeiros são aquelas situações que assumimos por necessidades, por carinho, por afeição e por profissão. As segundas são aquelas que não nos perguntamos se queremos: devemos!!! Obrigação de zelar pelos idosos, obrigação de pagar impostos, obrigação de nos mantermos vacinados, por nós e pelos outros.
Onde se perdeu a suficiente e objetiva diferença entre compromisso e obrigações? Novamente, analisando o contexto onde vivemos, percebemos que as parcelas de dúvida se espalham por toda a comunidade, a partir do momento em que deixamos que creditar favorável às autoridades constituídas: pais, parentes, pessoas mais velhas, pessoas notáveis da nossa comunidade…
Em cada um destes, notamos que o tempo foi cruel: as relações interpessoais se modificaram e acabaram-se deteriorando o respeito e a empatia, o que fez com que muitos dos compromissos somente se concretizavam quando tomavam a feição de obrigações. Perderam-se o respeito e o interesse pela relação amistosa e desinteressada que era mantida com demais membros da sociedade.
Vale aprofundar: para onde foram o respeito e o interesse? Então, as famílias deixaram de ter importância ao mesmo tempo em que deixaram de se fazer importantes. Foi um caminhar em mão dupla que fez com que as coisas se alterassem e se desvalorizassem, progressivamente. E o caminho traçado, com cautela e desordenadamente, atinge o nível que vemos hoje, na pós-modernidade, onde nem compromissos e tão pouco obrigações são levadas a sério.
Realmente temos que apontar que este descaminho parte da família, que em algum momento foi negligente com suas tarefas, terceirizando as suas funções primordiais e deixando de observar o desenvolvimento de seu grupo básico, frente aos compromissos com sua comunidade. Não de repente os compromissos deixaram de fazer sentido e as obrigações passaram a ter uma importância relativa diante de todo o descaso. As situações novas não encontram espelhamento, uma vez que tudo é novo e tudo apresenta reflexos impares na sociedade.
Ao percebermos que a família terceirizou suas funções básicas, num outro sentido vemos a escola se desmoronando, as amizades ficaram superficiais e as relações interpessoais se tornando cada vez mais rasas e fúteis, num conjunto de propostas racionais, mas infundadas.
Os professores perdem suas autoridades e influências, dentro e fora da sala de aula. O saber erudito e escolar perdeu seu sentido e sua razão de existir, diante de uma sociedade intelectualmente comprometida: saber e ter noção desta sabedoria não é mais um reconhecimento pessoal ou de um coletivo de pessoas. Hoje é motivo de piada e torna-se razão de brincadeira e piadas, frente ao troglodita que se preocupa em fortalecer a musculatura corporal, sem abrilhantar sua memória.
A tecnologia, de certa forma, ajudou a diminuir a necessidade do saber, uma vez que a inteligência artificial resolve os mais difíceis e enigmáticos problemas, nivelando a existência humana ao desempenho diante da informática. Atualmente percebemos que a tomada de decisões fica postergada a um segundo plano, quando todas as evidências estejam aparentes e a necessidade de antecipação de raciocínio não se faça necessária: somos quase um protótipo executor de tarefas rotineiras.
É verdade que somos beneficiados pelo desenvolvimento tecnológico e isso se evidencia quando reparamos na evolução da medicina, em especial. Mas é muito viável que se perceba todo o avanço da humanidade, de uma maneira geral: todas as áreas ganharam com isto, da química à física, da sociologia à antropologia, ainda que os homens de nosso tempo tenham dificuldades em dar conta de seus compromissos e obrigações.
Somente para exemplificar, a Arte atende a este descaminho, apresentando criações que a juventude incorporou em seu universo cultural: a música eletrônica. Segue a isto as roupas tecnologizadas e as comidas produzidas em laboratórios, além de estarmos a pouco tempo do lançamento do carro voador. Tudo isto é fantástico e oferece conforto e comodidade ao estilo de vida, mas, e as relações interpessoais? Onde foram melhoradas?
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SUPERAR NOSSOS LIMITES E CRENÇAS
A evolução a que todos assistimos atinge de modo espetacular a todos os mais distintos espaços de nosso contexto sociocultural, ainda que não sintamos nenhuma perspectiva de avanço numa humanização que se esqueceu de seus compromissos e não está dando conta de suas obrigações. De certa forma, falando de modo rasteiro, perdemos noção de nossa evolução; assusta-nos perceber que estamos deixando de ser humanos e para nos tornar humanoides.
Analisando os pontos iniciais desta crônica, talvez sejamos levados a discutir mais sobre nossos compromissos, para sermos mais felizes, e nossas obrigações, para sermos mais respeitosos, ainda que não saibamos como fazer, na prática, para melhorarmos nossas virtudes tão desgastadas e ampliarmos nossos desejos de sermos felizes com aquilo que viemos ao mundo: nossa essência. (Foto: Ketut Subiyanto/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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