E já dizia o poeta que o desejo, seja ele qual for, é um infinito delírio que nos move e nos permite amenizar as agruras e as dores da Vida. O desejo dá a cor e o sabor em tudo o que temos, fazemos e sentimos. Sim, seja ele qual for: o desejo de passear, de conversar, de abraçar, de sonhar, de comer, de beber, de amar, de ser. Sim, um infinito delírio chamado desejo, que nos coloca em ação, na busca daquilo que temos como objetivo.
Estranho seria se não fosse assim. Essa fome de desejos aloprados que nos toma não assusta, enquanto estamos em nossa zona de conforto, porém nada é unilateral e, ai, sim, começa a surgir alguns desafios, visto o fato que necessitamos de outros para nos completar e, estes outros, nem sempre estão pareados para nos acompanhar: grande problema.
Somos unidos ou somos cumplices ou somos parceiros até certo momento. Na dinâmica da vida, tudo se altera, se recicla e se reestrutura, mas esqueceram de explicar isso para o domínio afetivo. O coração bate desenfreado, na busca da parceria que ajudava a viver a vida, tal como ela era. E não tê-lo ao lado é um tremendo incomodo. O vazio é grande e a ausência é sentida. Mesmo que nada houvesse acabado, ou se definhado, ainda assim é um vazio compreendido apenas pelo que sente o desejo da companhia.
Hoje me pego pensando naquele período de conversas, de risadas, de proximidades com pessoas que me foram íntimas e que, num piscar de olhos passaram a fazer parte de um passado, deixando um enorme vazio e um eco inesperado, como se nada houvesse acontecido. Esse pensamento me é recorrente quando estou numa fase de transição e noto que as parcerias se desfizeram sem que ao menos fosse feito algum aviso prévio. Triste e cruel. Também um delírio…
Pergunto-me se eu não fui infantil ao confiar numa rede frágil e avançar em minhas lutas pessoais, mas percebo que são coisas atemporais e impessoais: minhas, do coletivo, de conhecidos e de desconhecidos: traços da Vida. Sem marcações definidas e sem possibilidades de previsão futura. A vida como a Vida é: atropelando e ensinando.
Percebo (porque é percepção) que posso até falar com meu amigo (quando ele puder ou se ele quiser) mas sinto um buraco enorme no peito, cuja presença não será preenchida facilmente, porque os contratos foram rompidos sem que houvesse acordo bilateral, ainda que entenda o que causou a ruptura. Que infinito desejo é esse que move nossos pensamentos a espaços já impossíveis de serem caminhados…uma sede incessante de sentir acolhimento que já não mais existe? Por que acontece assim?
Pois é, isso ocorre dando vazão ao que temos em nossos tempos: bem perto, esquecido à distância. Parece que querer bem só pode ser real se for na instantaneidade, na fugacidade: reparem que, quando estamos perto tudo é maravilhoso, distanciou, acaba o encanto do desejo e o delírio se transforma em total desapego e esquecimento. Isso é afeto? Isso é bem querer?
Vemos dedicações e entregas em vários formatos, o que chega a ser bom. Cada um de nós tem sua forma de interagir e relacionar-se com os demais de sua convivência; mas não podemos deixar de estranhar que alguns casos sejam a ser emblemáticos: total descaso, total vazio…soa falso. Soa como se houvesse uma divisão entre o aqui e o outro espaço. Ou, então, existe mesmo mas não se falou sobre isso. Suporta quem quer.
Então, o verbo suportar entra em ação e vai-se suportando até que o limite do distanciamento se torne imperativo e aquilo que um dia foi bom e saudável deixe de ser projeto de futuro e se torne um traço do passado. Terminou a relação humana e o respeito. Sim, terminou o respeito porque uma das partes não seguiu a proposta inicial.
Porém, na modernidade, isso parece não fazer diferença. Pessoas são como roupas, que uma vez usadas, troca-se e busca-se outra; do ponto de vista da afetividade, dos sentimentos e emoções, claro que faz diferença. Pessoas sentem. Pessoas amam. Pessoas sofrem. E se não for assim, algum problema interno está em desenvolvimento, carecendo um profissional da Saúde Mental para lidar com tal transtorno de total falta de empatia. Também, coisas da modernidade.
Difícil explicar sensações e emoções para quem tem dificuldade em entender a si próprio, pois estas erupções internas são pessoais e vivenciadas, de forma espontânea: não se obriga a amar nem a odiar. Mas facilita-se a vivencia destas emoções, favorecendo dicas e pistas para uma convivência ideal. Não há receitas, nem há limites: há experimentações. Emoções, sentimentos, vivem-se. Experimentam-se, permitem-se. A castração destes estados causa danos, muitas vezes, irreversíveis que favorecem alguns transtornos de comportamento. Como já dito anteriormente, cada situação cabe uma consulta a um especialista da Saúde Mental.
Lógico que não há regras nem há caminhos certos, existem adequações e como tais, cabem a cada um de nós escolher o que nos parece mais adequado, ainda que sejamos sempre lembrados que podemos corrigir a rota e, em especial, por se tratar de relações humanas, cabe-nos a aplicação da Verdade, acima de tudo: não dá mais, avisa e sai. É assim a coisa do delírio de uma vida adulta.
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Talvez expliquem-se relacionamentos saturados e casamentos desfeitos. O que assusta é o desligamento abrupto e sem indícios de dificuldades, nas propostas de uma família feliz e de bem com a Vida. E esses sinais são fortalecidos pelas fotos expostas nas redes sociais, em que os sorrisos são abundantes, as alegrias imensas, mas o interior é vazio e insonso. As joias do Facebook e do Instagran estão ai para nos mostrar que as famílias felizes e sorridentes não são tão felizes e nem tão sorridentes…joias da modernidade. Ou falsidades da modernidade. Cada um escolhe aquilo que melhor lhe aprouver.
Parece ironia, parece que a Vida brinca com a gente (enquanto que somos nós quem brincamos de viver e tripudiamos nossas relações humanas) numa santa madura inocência, sem aquilatar o quanto foi bom e para sempre será aquilo que mais importa: uma relação respeitosa e firme, consolidada na conquista e na solidariedade. Isso sim é um doce delírio de construção humana. Ainda seremos capazes de tanto ou nosso egoísmo já aniquilou as raízes de nossa fraternidade?(Ilustração: Wallhere)
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport
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