Como medir VALORES?

Sou questionado mas também me questiono: como se mede esse amor incondicional? Quanto é que se doa? Quanto é ser fraterno? Quanto se pode ser leal? Isso é mensurável? Isso é algo quantificado? Como sei se estou me doando demais? Como sei se amo demais? Como sei se sou mais leal que os demais? Como aquilatar estes valores? Como ponderar em casos que fogem do controle? Como avaliar a relação tendo estes marcadores como foco de nossas atenções?

Interessante demais pensar que todos se pautam no quantitativo quando a questão é qualitativa: não seria melhor falar: como você ama? Como você se entrega? Como você conduz sua lealdade? Como você sabe ser fraterno? Como você percebe sua entrega? E a reflexão se dará no como você percebe a participação do outro em sua vida, também, porque é um ato reflexivo.

Pois é! Um grande dilema filosófico que como tal não admite medidas. Sendo valores apenas podemos saber se eles estão presentes numa situação ou noutra, sem mais delongas. Incrível como esta situação tomou conta do nosso cenário, nessa época pandêmica: todos questionam a existência e muitos pares estão se desfazendo por não sentirem retribuição ou existência (eco) na parceria firmada.

Do ponto de vista comportamental, muita coisa desanda: traições, dissimulações, meias verdades, mentiras, violações, deturpações. Sempre alguém sai da relação sem aviso prévio e, geralmente, com atitudes pouco claras, às vezes infantis, quando não deselegantes. Casais passam a se digladiar, amigos passam a se estranhar, parceiros passam a desconfiar um do outro. Tudo em nome da velocidade com que o tempo está passando e, em especial, porque os valores mudaram repentinamente.

Até a manhã a coisa era uma, do meio-dia em diante a coisa passa a ser outra. Ou engole-se ou dança. Muitas vezes, ainda por uma questão de valores, não sabemos se é melhor engolir ou dançar, visto que adaptar-se sempre e assumir a parte camaleão da nossa personalidade também custa caro para nosso estado emocional, que se cansa de ceder, que se sente violado com tantas alterações unilateriais. O fardo passa a ser pesado demais.

É neste momento que os questionamentos passam a ser mais constantes e as alterações emocionais começam a provocar ruídos fortes em nossas vidas. A ansiedade se apossa de nossa Vida, o estresse inicia seu caminho silencioso e, num piscar de olhos, estamos transformados num zumbi que não responde mais pelos atos, vontades e emoções: nefastas consequências de relações pouco sólidas e pouco elaboradas.

Geralmente se revê conceitos, repensa-se propostas, replaneja-se futuros mas nunca se tem a dimensão real e a certeza do objetivo atingido. Isso somente acontecerá com o passar dos tempos. Novamente entramos em uma viagem de investimentos sem saber o fim. Apenas nos envolvemos e deixamos rolar.

Interessante como esta parece ser a tônica da Vida, visto que nunca se sabe os atalhos e caminhos que a vida tomará, mesmo que sejamos cautelosos: muitas vezes acertamos, norteados pela intuição, outras das vezes naufragamos, por não seguirmos a intuição. Este é um terreno em que a inteligência emocional reina absoluta e as experiências anteriores são sinalizadores muito úteis e sábios: continuar, manter ou desistir.

Não é um caminho fácil, nem é um caminho suave. É algo bem complexo, envolvente, cauteloso e viciante. Lidar com emoções não é para os fracos e não se vive sem elas, de forma alguma; alguns são mais passionais e outros mais frios, porém não há aquele que não sinta emoções e pulsões na Vida. Neste caso, alguns se envolvem mais, sentem mais, sim. Outros se envolvem menos, ficam mais às margens, interagem menos e sentem da sua maneira, mas sentem. Esta é a mágica do domínio afetivo e moral.

Mas, nesse ponto da crônica, volta a questão: mas um sente mais do que outro? Um se doa mais que outro? É possível medir? Não. Não é possível medir nem estipular esse “a mais” questionado, porque são valores subjetivos e imperceptíveis externamente. Apenas quem está envolvido na relação sabe o quanto fez ou deixou de fazer.

Atenções, lembranças, contatos, respostas, toques, aproximações são instrumentalizações do sentir. Alguns usam destes recursos para expressar suas emoções e outros ficam à distância esperando por alguma manifestação. Nem por isso sentem menos ou deixam de sentir. Apenas sentem de maneira diferente. Evidente que se as pessoas fossem iguais, saberíamos, de imediato, a textura da emoção, mas a magia se faz quando temos que descobrir a forma ideal e adequada de aproximação e manutenção das nossas relações interpessoais. O importante é que isto é regra geral e básica para todas as relações: pais e filhos, vizinhos, clientes e profissionais, amigos, esposas, amantes, todos os humanos que convivam com humanos. E gostam de ser humanos, é claro.

De repente as relações começam a se esgarçar e nem tudo parece ser tão suave nem tão previsível. Problema nenhum: isso são relações interpessoais, entre pessoas diferentes, de pontos de vistas diferentes, de contextos diferentes. Nestes casos, o importante é que se tenha atenção à sintonia e à participação na vida do outro. Perceber avanços e recuos é prudente e, mais ainda, corrigir possíveis deslizes, pois todos os temos.

Imaginar-se sem deslizes, erros e vacilos é assumir a posição divina e, infelizmente, ainda não nos foi dado esse dom e direito. Podemos pensar diferente, podemos agir diferente, podemos ter outros valores (o que é excelente, para os processos de adaptação) mas não termos defeitos nem vacilos é pretensioso demais. Quase um defeito moral, pois não faremos força para fazer diferente nem para tentar de outra forma: é o não querer crescer.

MAIS ARTIGOS DE AFONSO MACHADO

COMO LIDAR COM A ESPERANÇA

FRATERNIDADE

LEALDADE

COLOCA AVENTURA NISSO…

Enfim, avalia-se este plano moral? Avalia-se o domínio afetivo? Sim, são avaliações subjetivas, sem regras coletivas mas que nos permitem estabelecer relações interpessoais e demonstramos nossas capacidades de interação e de empatia (não dessa empatia que todo mundo tem fácil na boca, mas aquela que nos coloca mesmo no papel do outro). Então, nosso senso de justiça fará com que tenhamos planos de reconfiguração.

Tal qual um computador, às vezes precisamos de uma atualização ou reconfiguração de nossos dados, abrindo novas portas e janelas para coisas antes nunca imaginadas e, assim, buscarmos mudanças internas que nos conduzam à relações mais intensas e mais profundas. Um exercício individual e difícil, mas necessário e construtivo. Talvez seja esse o motivo de dizermos que a verdade é um fardo que carregamos solitários e silenciosos. Mas assim crescemos.

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport

VEJA TAMBÉM

ESPAÇO PARA ERRAR AJUDA NAS DESCOBERTAS, AFIRMA EX-ALUNO DA ESCOLA PROFESSOR LUIZ ROSA

ACESSE FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E

PRECISANDO DE BOLSA DE ESTUDOS? O JUNDIAÍ AGORA VAI AJUDAR VOCÊ. É SÓ CLICAR AQUI