Do palco ao papel: A DRAG em traço vivo

drag

Ouvi uma vez, num documentário sobre design, que criatividade não é necessariamente criar algo do zero — mas sim criar conexões entre elementos que, até então, ninguém havia unido. Lembro que nem era uma área com a qual eu me envolvia diretamente, mas naquela época — por volta dos 19 anos, na faculdade — eu experimentava muito. Eu me interessava por tudo que tangenciasse a tal “criatividade”. Uma obviedade, talvez, para quem estava mergulhado no turbilhão curioso do início da vida adulta.O tempo passou. Como acontece com tanta gente que muda de cidade, mudei também meus focos criativos. Alguns eu mantive — como a performance drag — mas meu olhar sobre o que eu fazia se transformou.

Fui entendendo na prática as necessidades, os desafios e as potências dos projetos que abraçava. Parei de ver o futuro da arte drag como algo que caberia apenas num palco, numa festa, diante de uma plateia já convertida. Comecei a me perguntar: por que não expandir? Por que não experimentar outros formatos, linguagens, públicos?

No dia em que bati os pés no chão e me autodeclarei artista visual — porque minha persona drag é meticulosamente pensada em estética — minha perspectiva mudou. Drag é performance, sim, mas também é visualidade, conceito, linguagem. É arte visual. Pode parecer trivial dizer isso, mas essa simples constatação me libertou.

O que sempre me afastou desse entendimento foi o modo como a arte drag é socialmente enquadrada: muitas vezes subestimada, desvalorizada, vista como entretenimento puro e simples. Eu me pergunto: quantas outras drags já se sentiram assim? Quantas de nós já desejaram ser reconhecidas por nossa complexidade estética, por nossa capacidade de criar mundos — e não apenas festas?

Com isso em mente, nasceu uma vontade antiga, compartilhada pelo Coletivo Tô de Drag, de cruzar fronteiras e criar espaços de conexão com outras linguagens artísticas. Foi assim que surgiu a ideia da Sessão de Modelo Vivo Drag, que realizamos no último sábado (10), no estúdio de tatuagem Social Ink.

E que tarde linda foi.

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Entre blocos de papel, traços tímidos e olhares atentos, construímos um dos encontros mais pacíficos e acolhedores que já vivi como artista. Ao som de jazz, num dia chuvoso, nos desconectamos do mundo lá fora e nos deixamos levar pela calma criativa que tomou conta do espaço. Foi uma experiência íntima, onde o silêncio dizia muito e a arte acontecia quase como um suspiro.

As figuras de Cupido(foto principal) e Alanna Skin posaram com graça e presença, inspirando traços e olhares diversos. Eu, que também fui modelo em alguns momentos, levei para casa não só os desenhos da minha parceria artística, Baby the Drag, mas também uma pintura belíssima feita por Léo Serezuela, artista visual e dono do estúdio que nos recebeu com tanto carinho.

Houve até café e bolo — um mimo que, somado ao clima chuvoso, deixou tudo mais gostoso. Mas o gesto que mais me tocou foi a troca de desenhos: alguns artistas presentearam os modelos com seus trabalhos(foto acima). Presentes simbólicos, despidos de vaidade, que diziam muito sobre o que queríamos construir ali. Um espaço de criação sem prepotência. Um espaço de afeto.

A sessão não foi só sobre desenhar. Foi sobre estar. Estar com o outro, com a arte, com o instante. Foi sobre criar conexões — entre corpos, traços e linguagens. Porque, no fim das contas, talvez criatividade seja isso mesmo: não só inventar, mas ligar os pontos que ainda não foram ligados.

E se você leu até aqui, talvez esse seja um convite para quando a próxima roda acontecer. Leve seu caderno, sua curiosidade, sua presença. A arte — essa que realmente importa — começa no encontro.(Foto principal: Coletivo Tô de Drag/Social Ink)

ANNA CLARA BUENO

De nome artístico Anubis Blackwood, é drag queen, artista performática e visual, professora de inglês, palestrante e produtora cultural. É membro do coletivo Tô de Drag, o primeiro de arte drag de Jundiaí e região. Colabora com o ‘Grafia Drag’, da UFRGS. Produz o festival Drag Vibes em colaboração com o coletivo, para democratizar a arte drag, mostrar sua versatilidade e levá-la a espaços e públicos novos por meio de performances plurais e muito diálogo.

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