8M em Jundiaí: A visão de uma feminista ‘forasteira’

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Em diversos artigos desta coluna, já mencionei o quão difícil é se manter resistente enquanto minoria em uma região interiorana. Em diferentes frentes, vemos o desafio que é reivindicar nossos direitos básicos: desde iniciativas que prezam pela segurança em bairros periféricos até processos legais que combatem o racismo e a LGBTfobia, sem falar nos inúmeros procedimentos voltados à proteção da vida das mulheres. Às vezes, discorro sobre a ‘mulheridade’ – afinal, sou mulher e convivo com muitas –, mas hoje trago algo mais pessoal: um testemunho. Na adolescência, percebi que me interessava por ativismo, e o feminismo foi a primeira vertente que conheci. Na época, morava na zona leste de São Paulo e, aos finais de semana, participava de manifestações na Avenida Paulista. Eu tinha ideais, mas pouca prática – era aquela velha história do “muita palavra e pouca rua”. Tudo na militância feminista me fascinava.

Com o tempo, entre leituras e idas a protestos, percebi que, dentro do feminismo, também existiam pensamentos questionáveis. Foi assim que conheci as TERFs (trans-exclusionary radical feminists), mulheres que defendem a exclusão das mulheres trans da luta feminista. Eu estava simultaneamente me descobrindo LGBTQIA+, e isso me devastou. Pior ainda, via muitas figuras femininas com discursos problemáticos em relação à comunidade da qual eu fazia parte. Além disso, me incomodava a indiferença de muitas feministas brancas em relação às pautas raciais, algo que, para mim, simplesmente não fazia sentido.

O tempo passou, e, em um surto de exaustão com a cidade mais caótica do estado, fiz um mochilão pelo Brasil. Ao longo da viagem, conheci pessoas engajadas em diversas causas e percebi o quanto a militância paulistana parecia fragmentada. Cada grupo lidava apenas com seu próprio problema, ignorando a interseccionalidade das lutas. Isso me soava absurdo.

Ao voltar, vi em Jundiaí a possibilidade de recomeçar e me mudei. Aos poucos, conheci as pessoas que fomentam o ativismo na região e percebi o quanto são ainda mais essenciais por aqui. Com menos pessoas politicamente ativas, o esforço de cada um se torna mais visível. Além disso, justamente pela escassez de indivíduos engajados, há maior comunicação entre os movimentos sociais. Essa necessidade de articulação gera algo extremamente positivo.

Aqui, vejo mais pessoas se preocupando em divulgar e apoiar iniciativas de coletivos que nem sempre dizem respeito diretamente a elas. Também noto rostos conhecidos transitando entre diferentes manifestações, o que reforça esse senso de unidade.

Um exemplo é o Movimento Mulheres em Luta Jundiaí, que, desde 2020, organiza a manifestação do ‘8M – Dia Internacional da Mulher’, convocando diferentes coletivos liderados por mulheres, os chamados coletivAs. Em cinco anos, 18 coletivAs já participaram da iniciativa, que reivindica os direitos de mais da metade da população brasileira. Este ano, o coletivo drag do qual faço parte foi convidado, e estaremos lá com alegria!

Se antes eu não me sentia pertencente à militância feminista segregada da capital, hoje me sinto completa por poder fortalecê-la. Aqui, vejo todas as formas do ser mulher nas manifestações, e percebo que, por mais que as pautas sejam inúmeras, fazem sentido quando caminhamos juntas.

Por isso, convido você a prestigiar essa manifestação em prol das mulheres. Com o tema “Não nos calamos, ocupamos e transformamos”, a passeata reivindica nossos direitos e celebra os 50 anos do Dia Internacional da Mulher. A Manifestação 8M será amanhã(8), com concentração na frente da Câmara Municipal de Jundiaí, na rua Barão, 8h30. O percurso: da Câmara até a praça da Catedral Nossa Senhora do Desterro.

Além disso, presta homenagem a duas figuras essenciais para o feminismo na região, que infelizmente nos deixaram: Aline Sobral, feminista e muçulmana que lutou para inserir mulheres da religião dela no debate feminista, e Samy Fortes, travesti e ativista à frente do Centro de Acolhimento a Pessoas Trans e Travestis de Jundiaí.

Infelizmente, não conheci Aline, mas tive o privilégio de conhecer Samy, e sei o quão significativo é dedicar uma manhã de sábado para homenagear não apenas essas mulheres, mas tudo o que construíram. Além disso, é o momento ideal para celebrarmos e ouvirmos todas as mulheres.

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ANNA CLARA BUENO

De nome artístico Anubis Blackwood, é drag queen, artista performática e visual, professora de inglês, palestrante e produtora cultural. É membro do coletivo Tô de Drag, o primeiro de arte drag de Jundiaí e região. Colabora com o ‘Grafia Drag’, da UFRGS. Produz o festival Drag Vibes em colaboração com o coletivo, para democratizar a arte drag, mostrar sua versatilidade e levá-la a espaços e públicos novos por meio de performances plurais e muito diálogo.

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