Encaro, respiro fundo e AVANÇO

encaro

Em alguns momentos chego a acreditar que estou sonhando ou que estou orbitando por algum planeta distante da Terra, tamanha a estranheza de propostas ou de situações que presencio ou sou levado a viver. Nem sempre tenho leveza e facilidade para sair de uma situação que não me agrada ou que destoe daquilo que acredito. Encaro, respiro fundo e avanço. Ainda que sofra.

Sou liberal em sala de aula. Sou bastante flexível e ligeiramente despreocupado, mas encaro minha função como algo que formaliza a formação de um futuro profissional, proposta com a qual tenho o maior zelo e carinho. Desta feita, tudo o que possa desviar este propósito, passa a ser algo que mereça meus olhares mais acirrados e mais críticos, numa forma de verificar até onde posso avançar ou onde preciso ceder.

Porém, sempre me pego no fio da navalha. Percebo (de percepção) que muitas vezes eu estou trafegando por uma zona de perigo que eu próprio retroalimentei e não dei chances de refletir para alterar o rumo. Por exemplo: quando sou suave, em sala de aula, sem usar de um rigor imperativo, sou permissivo para alunos mais abusados ou invasivos, que se aproveitam de espaços frágeis para se impor ou se manifestar.

Exemplos muito pontuais podem ser citados, como este que vou me apropriar e dividir com vocês: numa sala de aula, tentando me desdobrar em 10, explicava sobre uma determinada teoria bastante complexa enquanto, bem na minha frente, um rapaz esmaltava as unhas. Totalmente imerso em seu silêncio, sem se manifestar por e com nada, pintava as unhas, calmamente, como se o entorno não existisse.

Pois é, uma atitude isolada. Não atrapalhava minha fala nem desviava a minha atenção ou de quem mais estivesse presente, mas a questão é: este comportamento é aceitável? Esta atitude é razoável? Devo me importar com isto? Caso me posicione, serei o professor castrador que não respeita os alunos ou aquele que está sempre limitando os comportamentos da classe. Não é meu caso. Caso não fale nada, a situação fica muito estranha pela inadequação do fato: ali não é lugar nem horário para pintar unhas. E me pergunto: quem mais houvera permitido que aquilo acontecesse para que este jovem tomasse a iniciativa de se embelezar em minha aula? Acaso eu tenho os mesmos comportamentos permissivos a este ponto?

Você vai me perguntar: mas, Afonso, isto te incomoda? Sim. Incomoda-me e muito. Acredito que tudo tem seu tempo, lugar e motivo; assim sendo, nunca me acostumarei a viver num clima de passividade e permissividade que não me facilite um processo educacional e formulador que ajude na construção de um futuro profissional adequado às várias camadas da sociedade.

Pode parecer antigo. Pode cheirar ao tradicional. Pode se mostrar pequeno, mas adequar atitudes é alguma coisa muito séria para quem está no magistério, em especial em cursos que têm por fim o zelo pela saúde dos seus usuários.  Isto me assusta e me entristece, justamente por não encontrar eco no contexto em que atuo. Parece-me que caminho só e que uma coisa dessas só acontece comigo, mas entendo que seja reflexo do mau uso da liderança ou da organização que deveria reinar no ambiente escolar e educacional.

Num contexto onde reina a mentira e o desinteresse pelas atividades e existência humana não é possível esperar por alguma atitude de compreensão e acolhimento estabeleça a ordem inexistente: as relações interpessoais serão minadas e borradas pela insensibilidade, pela falta de verdade e pela frieza das relações superficiais. Este clima organizacional contaminado e perverso resultará numa relação desastrosa e inconsequente.

Sabemos algo sobre a origem deste ambiente de relações frágeis e irresponsáveis? Temos conhecimento de sua formação? Sim, temos: lares em que o Whatsapp e o Instagran são berços de pessoas de relações fugazes e fantasiosas, que não enxergam o Mundo com os olhos da maturidade e tão pouco buscam relações sólidas, entre seus amigos. A mentira e a falsidade são as moedas de troca e a autoajuda parece ser o remédio para as distorções comportamentais que não foi possível esconder, nem mesmo com fotos prontas de pessoas sorridentes, com copos na mão.

A ilusão amplia o espectro da relação superficial e espraia pelo horizonte dos que se intitulam felizes: entre estes não existe o estar mais ou menos. Todos estão eternamente bem e totalmente felizes, ainda que saibam que estão mentindo, ainda que saibam que estão fingindo, mantêm suas posições e ilusões como estandartes que anunciam um produto e oferecem outro: anunciam a alegria e oferecem o vazio, a falsidade. Este “movimento” (palavra modernamente usada pelos mais jovens; tudo é movimento!!!) está tomando corpo e se espalhando pela sociedade, como um vírus que contamina aqueles que não questionam nem analisam fatos.

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Então, não é de estranhar que atitudes inusitadas cheguem às salas de aula ou dentro dos lares (serão lares ou serão aglomerados?) sem que algo seja feito para proporcionar uma reflexão ou uma alteração de comportamento. E a desgraça cresce. A falta de liderança e o medo de ser tido como retrógrado inibem ações pró-ativas e corretivas, prevalecendo os hábitos suspeitos e as relações frágeis, aumentado o nível da incredulidade entre parceiros que nunca serão amigos e amigos que retrocederão ao papel de parceiros.

Num turbilhão deste é preciso ter coragem para encarar a pobreza da Natureza Humana, é necessário respirar fundo e avançar. Porque não se pode vacilar ou desistir diante da fragilidade que se estende pelas relações interpessoais atuais. É triste, mas é real.(Foto: Freepik)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do Lepespe, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da Unesp. Mestre e Doutor pela Unicamp, livre docente em Psicologia do Esporte, pela Unesp, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Diretor técnico da Clínica de Psicologia da Faculdade de Psicologia Anhanguera, onde leciona na graduação.

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