Viver é um exercício de adaptações, constantes e difíceis, que só oferece possibilidade para quem está disposto a aprender. Do ponto de visto individual (porque a vida é de cada um) é uma possibilidade de crescimento e reinício de outros momentos que serão percebidos e ampliados, no decorrer do percurso. Mas e a Vida em grupo? Tem outro endereçamento?
O processo coletivo traz mais elementos que possibilitam um cruzamento imenso de propostas e saídas para as relações interpessoais: cada um dos indivíduos traz seu mundo íntimo para a relação com os demais mundos íntimos. Entretanto, sempre cabe a questão: todos se relacionaram com a mesma intensidade? Estarão preparados para partilhar de suas intimidades ou crenças, com os demais do grupo?
Atualmente, na velocidade dos tempos, tudo é para ontem e tudo demanda um esforço para ser temporal: não se cultua mais a espera e tampouco se cultua a reflexão. O que temos, infelizmente, é a pressa em saber mais, ainda que não se consuma a informação. Vale a pena perceber que todos querem ser atendidos imediatamente. Porém, não querem pensar e analisar a resposta obtida.
É irracional o efeito da ansiedade em nossa vida coletiva (sem contar o estrago que ela faz em nossa vida privada) porque não damos conta das coisas que deixamos para trás ou das coisas que antecipamos, até começarmos a sofrer da dor que a ansiedade provoca: o ansioso sofre. Mas, geralmente, seu orgulho não permite que ele assuma a ansiedade. O fato de não respeitar as dimensões da ansiedade é suficiente para que os estragos sejam grandes na vida.
Então, quando pensamos em nossas relações, sempre temos alguns grupos que demandam diferentes formas de atenção: o dos preferidos, dos próximos mais próximos, dos “brothers”, o grupo dos que “até” nos cobram certa atenção e aquele grupo dos que colocamos numa distância boa, sem grandes preocupações. Não são iguais e não temos a mesma demanda para todos: é mentira se dissermos que tratamos a todos da mesma maneira.
Como, também, é mentira que nos preocupamos somente com os demais e nos esquecemos de nós mesmos. Podemos negligenciar e postergar nossas preocupações pessoais, mas pensar em si é primordial para estar vivo e equilibrado, isto é um fato inegável. Esses caminhos são os que fazem a vida ser fascinante. Desafiadora. Instigante.
As adaptações vão surgindo diante de nossas próprias necessidades e são sempre vistas como algo que assusta e transforma. Assusta porque vamos nos ver, frente a frente, como nosso novo eu. O eu transformado é forte e impetuoso pelo fato de ser novo, trazendo o vigor e a vontade de se estabelecer e mostrar a que veio. Ai está a riqueza do viver o novo.
Nem sempre as mudanças são suaves e tão pouco agradáveis, uma vez que teremos de viver o luto do antigo. É gratificante percebermos que enxergamos algo que nos atrapalha e que nos causa dor, mas mesmo assim, é dolorido deixar de pensar e agir de outra forma: parece que perdemos um pedaço da gente e que algo ficou para trás. Isso é viver.
Diferente das fotos do Instagran ou do Facebook onde todos são felizes, bonitos, gostosos e estão sempre com copos ou taças na mão (será que isso é sinônimo de alguma coisa além de leviandade e futilidade?) ostentando um sorriso ou atitudes de good vibes, a vida real é aquela que nos pega nos silêncios ou mesmo nas agitações de um carnaval, alertando-nos para questões íntimas que nos incomodam. Alertando-nos para a vida como ela realmente é.
Essas reflexões desta crônica já foram feitas em outras oportunidades e voltam, hoje, por serem necessárias diante das frivolidades que nos circundam: parece-nos que ser feliz é um decreto que todos devem seguir e que está às mãos de todos. E isso é uma mentira e uma doença da modernidade: ninguém tem que ser nada e ninguém precisa se submeter a nada para ser feliz. A vida vai se desenrolando a medida que nós nos adequamos e explicitamos nossas intenções.
Nem tudo podemos, nem todos os dias estamos bem, nem tudo conseguiremos e nem tudo é fácil. E está tudo bem, sim. Mas só estará bem para aqueles que compreenderem os vacilos, os tropeções, os detalhes, os golpes, as ilusões e, acima de tudo, buscar mudar o rumo, as relações, as ideias e as propostas de vivência: a vida sempre oferece oportunidades para quem quer crescer e, para tanto, é preciso se sujeitar às transformações efetivas e íntimas, de modo a conviver com o novo e com o desafiador, sempre.
Não, não há forma diferente de ser feliz: o mesmismo é insignificante e fraco diante do novo. O comum cansa. O fútil e banal não atrai por muito tempo. Os apelos sexuais se transformam, a vida familiar se concretiza, o conhecimento se refaz, os pensamentos vagos se evaporam logo e, descobrimos, que a realidade é bela e forte. E somente é bela e forte porque é real. Simples.
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Na busca desta estabilidade e na busca de adequações o que temos é que a vida é bela quando é real. Não oferece perigo nem desgasta, porque a realidade se basta a si própria, pela força que exerce e pelo fascínio que sentimos ao perceber que nossos amigos reais, os de verdade, estarão sempre conosco, sendo do jeito que formos.
Porém, na busca de ser melhor, vale a pena uma boa análise de nossas propostas de vida e de nossos objetivos: quem somos e quem queremos ser? Quem queremos ao nosso lado na evolução de nossa vida e quem queremos conosco no final de nossa vida? Questões estas que, decisivamente são importantes para que se submete as adaptações necessárias na vida e, em especial, a quem estiver disposto a aprender, sem passar pela vida e não viver. Não é fácil, mas é viver.(Foto: Kindel Media/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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