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ESCRAVIDÃO

escravidão

Este artigo é baseado no livro Escravidão – Pôema(foto), escrito em 1947, por Mariano Fernandes, do qual separei alguns trechos que achei interessantes o suficiente para merecerem de minha parte um registro. Os fatos desumanos nele tratados. Personagens: Pai João simboliza a velha humanidade. A escravidão é o mundo, a vida, o sacrifício. Presciliana é o ideal que a todos persuade. Deixando uma saudade em forma de cilicio.  Preservei a ortografia original, fui fiel à maneira como ela aparece na primeira página do livro, seguida da explicação dessa forma:

“Um homem negro dentro de uma vida negra”

Quasi cego, a dormir à beira das estradas, Pai João está no rol das cousas despresadas. O seu jeito desnudo é cheio de mazelas, na ressequida pele a sarna se esfarela. Seu corpo enfraquecido, em contínuo balanço, busca na sepultura o perenal descanso. Foi escravo. Sofreu horrores no trabalho; envelheceu…então negaram lhe o agasalho. Exausto, sem família, abandonado, só, peregrinando ao sol, recamado de pó: ele, o guerreiro nobre, apóstolo imigrante, que construiu num charco um templo florejante; ele, o desbastador, o Napoleão das matas, o exímio trovador das bárbaras sonatas, depois de haver provado as dores mais profundas, desde o porão infecto nas senzalas imundas, resiste, sem um gesto ao.menos de impaciência a deplorável cruz que lhe deu a existência. 

Sonho retrospectivo: Ali mesmo ele dorme…Um sonho alviçareiro, como dantes, lhe mostra as dansas do terreiro: Na secular sentada, o samba sapateado é como um lenitivo ao negro escravizado. Marimba é também, puitas e pandeiros, ao cadenciado som dos grandes reboleiros, a zabumba marcando o ritmo da dansa, em doida sarabanda a turba não descansa. Algazarra estrondosa, insanos voluteios…mulheres joviais, em quentes bamboleios, sacodem-se na dansa, entregues à loucura da sarrafusca imensa em meio a noite escura.

O beijo de Presciliana: Um minuto contigo vale um mundo. Um minuto de amor, vê bem, querida; Se há vidas que não valem um segundo. Há segundos mais longos que uma vida…R. Petit..

O resto já se sabe…A história tão secreta perdeu-se nos confins da escuridão discreta.

Casa do feiticeiro: Casa de pau-a-pique em plena mata virgem. Nas paredes senis madeixas de fuligem como negros painéis de exóticas figuras. Pregadas nos portais algumas ferraduras e na cerca da horta um chifre de animal. Para atrair fortuna e afugentar o mal.

Desilusões: E a reza do Faustino? Oh! negro pestlento! Avivou minha dor, acres ceu meu tormento. Neste corpo perpassa explosão de desejo, inda sinto no lábio o calor desse beijo. Olho estrela no céu e vejo o seu olhar…É preciso morrer para o espaço galgar. Como deve ser bom ir num caixão deitado, fazer da campa escura a noite do noivado; e depois, Santo Deus, em plena eternidade, celebrar para sempre, o Amor-felicidade!”

Tempestade: A tempestade zune, explode sibilando, sacudindo a floresta, investindo, arrasando. Em torrentes caudais a chuva escorre, imunda, frenética, brutal, tremenda, furibunda. O corisco estrugindo assustadoramente, rabiscando no céu figuras de serpente, elétrico e veloz, fulmina, despedaça, onde bate destroe, carboniza, devassa. E a noite continua imersa na tormenta…A morte ainda espreitando a estrada lamacenta!

A fuga: E ele foge a tremer espavorido, vário, através o negror, do mato tumultuario. Esperto e resoluto escapa esbaforido, procurando na treva o caminho perdido. Dos ramos ao passar não sente as chicotadas, tropeça nos calhaus esparços nas estradas. Sobe e desce a correr as rampas mais esguias, deixando atrás de si marneis e serranias. A anciã de fugir sangrando o pé descalço, despenhadeiros desce e cai pisando em falso. E a marcha continua. O mesto fugitivo deseja ser feliz, já não quer ser cativo. A despeito de inculto ele tem a intuição de que Deus faz liberto o homem de alcatrão. 

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O  “Capitão da Mata” aparece agressivo…homem sem coração, algoz da “negregada” carabinote em punho e corda retrançada, para surrar, prender, o flebil desgraçado. Porém de um salto, o negro, o pária escorraçado e ágil. Como um jaguar e sem nenhum temor, repele, avança e esgana o vil inquisidor!

Oh! lodoso Pai João! Eu não te recrimino…

Eras honesto e bom, fizeram-te assassino. 

– Era o desbastador, dando basta a dor!

LUIZ ALBERTO CARLOS

Natural de Jundiaí, é poeta e escritor. Contribui literariamente aos jornais e revistas locais. Possui livros publicados e é participante habitual das antologias poéticas da cidade.

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