Encerradas as eleições, Jair Bolsonaro(PSL) eleito, e a pergunta que todo mundo está fazendo é: para onde a esquerda brasileira vai. O Jundiaí Agora entrevistou Mariana Janeiro, do PT, que nas últimas eleições candidatou-se a deputada federal e é suplente. Também conversou com Glauco Gobbi, do PSOL, que candidatou-se ao mesmo cargo e não teve êxito. Os dois fazem parte da nova geração da esquerda que, neste momento, depois da ‘Onda Bolsonaro’, tenta assimilar o baque de perder o poder depois de 13 anos…
Para onde a esquerda vai agora?
Qual o caminho? O país sera pacificado?
Mariana – Duvido muito que o país será pacificado. Infelizmente, Bolsonaro se elegeu em cima de notícias falsas (medo de um comunismo inexistente, um kit gay que nunca existiu, e armamento fácil), além do discurso violento e odioso. Ainda que ele, Jair, não seja esta pessoa, boa parte dos seus eleitores o são, como podemos acompanhar em algumas notícias (facadas, espancamentos…). Por isso, acho difícil pacificar o país. Para além disso, a primeira promessa do agora presidente eleito é de enviar ao congresso a revogação do Estatuto do Desarmamento. Pé de abacaxi não dá laranja…
Glauco – O caminho é nebuloso, pois passa pela necessidade de uma efetiva conscientização popular acerca do que está acontecendo no país e do que ainda virá a acontecer. A partir deste momento, o que antes eram promessas e propostas, será colocado (ou não), em prática, possibilitando distanciarmos o debate sobre um imaginário e passarmos para a prática/realidade. Logo, é imprescindível o trabalho de levar às pessoas conscientização sobre os fatos políticos que estão influenciando sua vida e de que forma, se positiva ou negativamente.
Pacificação é um conceito muito perigoso que vale a pena evitar. Os EUA “pacificaram” os ares mundiais no fim da 2ª Grande Guerra, por exemplo, através de genocídio, com a utilização inédita de armamento nuclear e, pior ainda, contra civis japoneses. Só se pacifica o que não está em paz. Eu sou contrário ao discurso de “pacificação”, pois na maioria das vezes foi utilizado como fim para justificar os meios, como desculpa para cortar o dedo todo visando remover uma unha encravada. A verdadeira paz se reflete na ausência de conflitos sociais, na sua maioria, causados pela miséria e desigualdade social. Creio que uma saída política válida seria focada na neutralização destes pontos, especificamente, nunca no sentido contrário – através da repressão e violência contra pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social. Medidas de austeridade jamais resolveram problemas do tipo em nenhum lugar no mundo durante toda a história.
Acreditam que Bolsonaro pode fazer um bom governo?
Mariana – Depende do que pensamos ser bom. Se bom for vender as riquezas da nação, autorizar caça, desviar das demarcações de terras indígenas, aumentar o abismo entre educação pública e privada, manter o teto dos gastos públicos, manter as terceirizações irrestritas e armar a população… então sim, se ele cumprir tudo isso, fará um bom governo.
Do meu ponto de vista e dos outros quase 80 milhões que não depositaram seu voto neste projeto de nação, não.
Um governo em um país tão desigual nunca será bom no geral – é sempre. Por isso que dizemos que seremos resistência. Não é torcer contra é fiscalizar rente, não fazer vista grossa e não deixar nenhuma virgula duvidosa passar sem ser questionada. Bolsonaro não participou de nenhum dos debates do segundo turno, não explicou como fará absolutamente nada que propôs, então sim, temos o dever de questionar absolutamente tudo que ele vier a propor.
Vale lembrar que, diferente da fiscalização (resistência) que estamos nos propondo, Aécio e Cunha (para citar apenas estes) abertamente declararam a obstrução da presidência e governabilidade de Dilma, por não aceitarem a derrota do candidato do PSDB. Não é isto que estamos propondo.
Glauco – Bom para uns, pior para outros. Neste sentido, diante das medidas de austeridade já anunciadas pelo eleito, como mais impostos para pessoas mais pobres e menos para as mais ricas, o governo vai ser muito bom sim, para quem está no topo da pirâmide econômica, é claro, mas não tão bom para quem está na base. Ao mesmo tempo, acabar com o Ministério do Meio Ambiente, fundindo-o com o Ministério da Agricultura, remete a uma possibilidade de se fazer sim um bom governo, para os latifundiários e pecuaristas, enquanto tal medida não é favorável à alimentação saudável das famílias brasileiras, à fauna, à flora e ao desenvolvimento sustentável, etc.
Eu acredito que ele vá fazer um bom governo para os seus – a bancada do BBB (Boi, Bíblia e Bala), as elites econômicas internacionais, os partidos de aluguel do centrão, dentre outros – e um mal governo para quem sofre com as dificuldades já impostas pelo atual modelo econômico e político vigente, o qual vai ser intensificado.
Como a esquerda assimilará este golpe?
Mariana – Golpe no sentido figurado, né?(risos). Pra nós, golpe é o que houve com o impeachment falso de Dilma por conta de pedaladas fiscais, autorizadas após menos de 30 dias de seu afastamento.
Precisamos nos repensar como um todo. O PT voltou aos números de 1989 (salvo engano), o PSDB respira por aparelhos e o PSL arrancou de maneira absurda, elegendo a segunda maior bancada no Congresso. Olha… passamos pelo trauma do golpe, pelos excessos da Lava Jato, pelo governo Temer e por um período eleitoral violento e turbulento. Vivemos uma nostalgia colonial.
A esquerda, já de início, assimilou que o silêncio não é uma possibilidade (não que alguma vez tenha sido). Precisamos entender, falando apenas por um aspecto, o que fez com que os jovens brasileiros (especialmente os negros e periféricos) aderissem ao discurso bolsonarista? Perdemos a capacidade de diálogo com as massas, com as bases, com as periferias, com a juventude?
A alternância de poder, ainda que possa doer, precisa ser respeitada. Há de ser um tempo dolorido sim, mas agora, com os ânimos mais calmos, acredito que será um tempo imprescindível para que a esquerda se fortaleça. E, claro, para que o discurso bolsonarista caia por terra. Quem viver, verá.
Glauco – Estas eleições reafirmaram uma ideia que, aparentemente, a esquerda conhece, porém ignora sempre que pode: eleições são, simplesmente, a reafirmação deste Estado que foi criado para privilegiar as elites econômicas sob a rubrica do povo trabalhador, que com sua chancela eleitoral garante uma legitimidade formal ao processo de espoliação. O povo brasileiro sente que, independentemente de quem seja eleito, é ele quem vai penar para pagar a conta da boa vida das elites, o que, inclusive, acarretou uma histórica votação em brancos/nulos/abstenções.
Já tivemos governos que se diziam isso, outros que se diziam aquilo, agora teremos um governo que se diz “contra isso daí”, numa tentativa de negar fazer parte do sistema dentro do qual foi criado e desenvolvido. Esperamos que esta experiência gere a percepção no povo de que, se o modelo político está em decomposição, devemos implementar outro em seu lugar ao invés de ficar chutando bola furada.(Foto principal www.folhadeourilandia.com.br)