Você não precisa ser TRANS para lutar contra a transfobia

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“Você não precisa ser trans para lutar contra a transfobia, assim como não precisa ser uma árvore para lutar contra o desmatamento”(Alice Walker). Assim disse essa sábia mulher que, além de ser a primeira mulher afro-americana a receber um Prêmio Pulitzer por ficção com sua obra ‘A Cor Púrpura’, também é autora dessa frase tão simples, mas que aborda um tema tão vital para nós enquanto sociedade.

O Mês da Visibilidade Trans, que culmina no dia 29 de janeiro (Dia Nacional da Visibilidade Trans) é um momento que todos nós devíamos reservar para refletir sobre o real significado de equidade. Essa data foi inclusive formalizada no Congresso Nacional há mais de 20 anos, em 2004, informação que já nos deixa um sabor agridoce na boca. Por mais que tenhamos essa data estabelecida, não tivemos grandes melhorias no aspecto ‘bem estar’ dentro da comunidade trans e travesti desse tempo para cá. Na verdade, o Brasil permanece sendo o país que mais assassina pessoas TT ao mesmo tempo que também lidera as pesquisas de conteúdo adulto relacionados ao tema em sites dessa categoria . Tendo tais estatísticas, já conseguimos entender o quão urgente é ter meses como esse que nos faz olhar mais para todas essas problemáticas com a atenção que merece.

Como forma de protesto e exibição da luta, Jundiaí sediará pelo terceiro ano a Marcha Trans, amanhã(25), às 10h no Centro de Jundiaí. Nas palavras de Tiana Cauton, atual presidente da ONG Aliados e organizadora da Marcha, “A melhor forma (de reivindicar pelos direitos) é marchando, exigindo e resistindo. Vamos lutar, somar forças e mostrar para a cidade que pessoas trans estão à frente de movimentos sociais, que estão na política, que são artistas, que são trabalhadoras. Somos pessoas comuns. O que nos diferencia, além da estatística de vida de apenas 35 anos já que somos mortas diariamente, é a identidade de gênero.”. Você pode acessar toda entrevista exclusiva para o Jundiaí Agora clicando aqui.

Também teremos o início da Semana da Visibilidade Trans neste sábado. Este projeto é encabeçado pela equipe do CAIS, Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis, Transexuais, Transgêneros e Pessoas em Situação de Vulnerabilidade de Jundiaí e Região. Durante uma semana, o CAIS disponibilizará workshops, atendimento gratuito focado na saúde de pessoas trans e até mesmo rodas de conversa. Você pode acessar todo o cronograma por aqui em mais uma entrevista exclusiva do Jundiaí Agora com Kacau Vitio, a nova presidente do CAIS.

Ao longo dessa semana, eventos do CAIS como a aula inaugural do EducaTrans e rodas de conversa abrem espaços para que a pluralidade das vivências trans possa ser ouvida e respeitada. Trata-se de uma programação que ultrapassa o simples simbolismo: é educação, resistência e construção de um futuro melhor para quem não tem um presente ideal.

E aqui me permitam um desabafo que considero fundamental para dar contexto a esse mês de luta. Recentemente, a Marcha Trans de Jundiaí foi divulgada na rede social de um outro portal de notícias. Fiquei muito contente, já que nem sempre temos nossas vozes ouvidas nos jornais. Vi lindos comentários de apoio e, como tudo nas redes, havia quem discordava, o que para mim é mais do que habitual, tanto que não costumo rebater.  Pois então deparei-me com um comentário que, à primeira vista, parecia ser apenas mais uma tentativa de desqualificar um movimento de existência, mas como veio em formato de pergunta, pensei que poderia fazer algo com aquilo. “Isso muda o quê?”, perguntava um jovem adulto. Como educadora e cidadã, me senti compelida a responder, não tanto por ele, mas pelas centenas que poderiam ler aquele diálogo e aprender algo. Expliquei da forma mais respeitosa e educativa possível que o Brasil lidera, há 15 anos consecutivos, o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans. Disse que marchamos porque ainda temos esses corpos brutalmente mortos apenas por existirem.

A discussão seguiu com ele afirmando que “nada iria mudar pois também há pessoas trans e gays que são folgadas”, mudando para um hostilidade disfarçada de opinião. Então seguimos. Tentei explicar que ser “folgado”, além de ser um estigma genérico, é algo absolutamente individual e não representativo de um coletivo, fui então recebida com a famigerada solução mágica que só alguém que não faz ideia do cenário poderia sugerir: “basta então aprender a se defender”. Em sua última investida, ele sugeriu que lutássemos por “um terceiro banheiro para o grupo LGBT”, porque, segundo ele, “do contrário viraria uma bagunça”. Percebi, então, que a ignorância não era apenas falta de informação, mas uma recusa em enxergar a humanidade do outro. Em meio de três comentários trouxe dados reconhecidos por entidades formalizadas, informações perante uma comunidade que claramente ele nunca havia se comunicado com, respondi a pergunta dele mesmo com rebates tão incoerentes mas não existe diálogo quando não existe um receptor ativo.

E aqui reside o ponto-chave. Esse caso não se trata apenas de um indivíduo com opiniões equivocadas. Ele é reflexo de um pensamento coletivo que busca reduzir pessoas trans a algo distante, quase desumano. Uma comunidade inteira que prefere a comodidade da desinformação à empatia de se aproximar e compreender a realidade alheia. É mais fácil fazer cara feia para essas pessoas à luz do dia do que enfrentar um preconceito monstruoso dentro de si. Os eventos da Semana da Visibilidade Trans, assim como a Marcha, existem para confrontar essa estrutura.

A Marcha obriga negacionistas a olharem para o que se forçam tanto a ignorar. É o momento onde, seres individualistas que querem a cidade toda para eles mesmos tem que aceitar que não é assim, não mais. Não é por termos uma estrutura social que até então os priorizou e nos dificultou que assim permetuará pela eternidade. Temos comunidades inteiras que lutam para garantir uma pequena parcela da região para convivermos e sim, talvez irá doer a àqueles que precisarão ceder o espaço e coexistir conosco, pessoas diversas, mas nada pode ser equiparado a dor de ter os direitos de cidadania por tantas décadas negadas, como é o caso da comunidade TT.

Já o EducaTrans do CAIS, por exemplo, não é apenas um projeto de educação: é a ponte que liga o conhecimento à possibilidade de pessoas trans ocuparem esses espaços historicamente negados. As rodas de conversa promovidas na Semana da Visibilidade são um convite a ouvir todas essas vozes plurais, aprender e ser convidado a explorar as nuances que o ser humano pode ter. É espaço para compartilhar, mas acima de tudo absorver.

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A pauta da visibilidade trans é um ato político necessário em nível crítico. Ela escancara uma verdade incômoda: enquanto uma parcela da sociedade debate se devemos ou não ter acesso aos mesmos direitos, pessoas trans, seguem morrendo no Brasil e no mundo. Por isso, marchamos. Por isso, educamos. Por isso, resistimos. E essa luta não pertence apenas a quem se identifica como trans: essa luta pertence a quem não consegue ter paz plena sabendo que existem tantas pessoas que merecem muito mais dignidade do que hoje possuem.(Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

ANNA CLARA BUENO

De nome artístico Anubis Blackwood, é drag queen, artista performática e visual, professora de inglês, palestrante e produtora cultural. É membro do coletivo Tô de Drag, o primeiro de arte drag de Jundiaí e região. Colabora com o ‘Grafia Drag’, da UFRGS. Produz o festival Drag Vibes em colaboração com o coletivo, para democratizar a arte drag, mostrar sua versatilidade e levá-la a espaços e públicos novos por meio de performances plurais e muito diálogo.

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