Já vivi o suficiente para ter certeza de que nem sempre as coisas saem como planejamos. Já comentei aqui que, na maioria das vezes, somos surpreendidos pelo inesperado e isso mostra o nível de vulnerabilidade a que estamos nos sujeitamos. O gostoso é que sempre ficamos surpresos e, até, pensamos que aquilo foi “plantado” para nós, foi escrito para mim, foi dito para mim, foi feito para mim. Mas não, aquilo era o que estava elencado para acontecer ainda que meus olhos somente percebessem aquilo que, no momento, queriam perceber.
Por que agimos assim, neste estado de importância? Infelizmente assumimos algumas posições e reagimos a elas, como se tudo fosse dirigido a nós, enquanto o Universo gira aleatoriamente e, de forma inesperada, nos vemos observando algo que nos diz respeito, algo que faz parte de nossa vida, julgando equivocadamente que somos os sujeitos daquele momento, a peça fundamental para que algo acontecesse.
Funciona semelhante ao déjà vu, que é uma forma de ilusão da memória que leva o indivíduo a crer já ter visto ou já ter vivido ou já ter ouvido alguma coisa ou situação de fato desconhecida para si. A percepção é tão integral, tão verdadeira, que se faz passar por algo já conhecido, mesmo; algo que já vivi, daquela forma, com aquele som e aquela cor. Ciladas do cérebro para nos fazer felizes, na maioria das vezes.
Quando inicio a escrita de minhas crônicas, começo sem direção e as ideias vão se desdobrando e surgindo espontaneamente, de forma a dar sentido em sua feitura, para então serem editadas. Após esta etapa vem a publicação, quando peço aos amigos que as compartilhem; aqui vivo um déjà vu constante, quando tenho o retorno de amigos que me questionam se escrevi para eles. Ou ainda: era isso que conversamos semana passada, não era?
E eu apenas descrevo o cotidiano, tudo o que ronda meu contexto e reverbera em minha cabeça, eu trago para as crônicas. Confesso que os comentários sobre o mundo político partidário, sobre as grandes tragédias previsíveis e os assassinatos não me convencem a escrever uma linha sequer. Entretanto questões de injustiça, de ultrajes e de saúde mental conseguem me incomodar e levam-me a pesquisar, estudar com muito carinho e a publicar algo pertinente a isto. Assim, não consigo produzir textos por encomenda, nem responder a curiosidades alheias.
Diante de minha ótica e da ótica daqueles que compõem meu círculo social, sair da nossa zona de conforto é relevante, gostoso, gratificante por avançarmos por caminhos desconhecidos que mereceram nossa atenção e nosso cuidado no estudo e publicação; isso é viver em sociedade e não podemos nos dar ao luxo de vivermos somente numa fechada zona de conforto, onde assuntos polêmicos não sejam percebidos e resolvidos por nossa tumultuada mente. Apenas acredito que não seja preciso absorver todas as demandas e especulações expostas pelas mídias sociais.
Infelizmente ainda atravessaremos anos vendo o apogeu desta turma sem formação e, às vezes, sem noção, imprimindo suas ideias frente a muitas coisas que já temos expertise de relações fundamentadas em experimentos e constatações. A falta de assunto e de perspectiva tem facilitado o surgimento de blogueiros que de maneira amorfa e apolítica, com muito pouco a oferecer para um mundo sequioso de novas propostas consolidadas e robustas, lançam suas ideias ao vento, como se estivessem descobrindo a América. Mais assustador é que encontram fãs e seguidores que os transformam em famosos.
São situações do momento? Coisas da atualidade? Não, coisa do pós-modernismo em que o consumismo chegou ao ponto de consumir os efeitos midiáticos, como bem ilustra o filme “Ela”, já rodado no mercado cinematográfico, mas pouco assistido porque é preciso pensar, para entendê-lo. Nada contra a relação interpessoal do homem com o sistema operacional, aliás, nada contra relações quaisquer que se possam pensar, visto que cada um se relaciona com seu cada um, diga-se de passagem. Porém, causa espanto esperar notoriedade de quem não consegue entender o mundo que habita.
Rodamos e tropeçamos nas relações amistosas que nutrimos e fortalecemos, esbarramos nelas, como se fossemos sugados pela força centrífuga que alimenta a corrente humana de uma existência sedenta de amor. Ainda que vivamos num período em que temos medo de amar, que temos medo de nos entregar, medo de nos conhecer e de termos que mudar a leitura de mundo para assumir outros horizontes, outros espaços, outras perspectivas. Sendo assim, o que tanto procuramos? Será que a Alice, do país das maravilhas, não foi mais glamorosa e sensata, e encontrou seu espaço e seu desejo? Será que ouvir o Coelho ou o Chapeleiro não foi mais prudente? E nós, ouviremos a quem?
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Analisando desta maneira, estamos diante de um paradoxo da Vida moderna: o medo de abrir relações sem termos certeza do terreno que pisamos. Sabemos que amar é o verbo e a ação mais complexa que perseguimos na Vida. Trago, novamente Piazolla com sua música rica e inebriante, “Balada del Loco”, onde saímos a bailar, na rua, entretidos com o coração a extravasar a emoção maior de viver o amor. De fazer coisas que demonstrem este sentimento e de se permitir ser amado. Repletos de temores e apreensões, mas apaixonados.
Volto ao inicio da crônica quando falei do fato de parecer estarmos vivendo espaços que foram plantados para nós, ainda que sejam inéditos, de sermos surpreendidos pelo inédito e de sermos enfeitiçados pelo carinhoso. Quem não gosta de se sentir bem? Isto não é gostoso? Qual ser humano não se sente privilegiado em ser ouvido, acariciado, notado e valorizado? Presencialmente ou no mundo virtual, este estado de bem estar é presente quando estamos com quem nos faz bem, assim é a Vida fazendo suas mágicas e possibilitando-nos a inebriante sensação de estar amando e sendo amado. Isto é viver.(Foto: Shvets production/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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