Seres humanos DESPEDAÇADOS

DESPEDAÇADOS

Domingo de manhã. Na rua principal do bairro, uma procissão que conduzia a imagem de Nossa Senhora Aparecida à capela. O povo cantava de coração em prece. Três quarteirões à frente, o supermercado com a movimentação costumeira de entra em sai e aroma de almoço. Na subida, quase em frente da farmácia, uma mocinha dormia, em sono profundo, envolta em sua realidade cinza, alheia a tudo o que se passava. Que doloroso! Não deveria ter mais do que 20 anos. Gente de vida rasgada por acontecimentos que somente cada um sabe. Gente de vida tragada pela fumaça, sem ilusão de claridade. Seres humanos despedaçados. Que doído!

Lembrei-me do moço que conheço há 31 anos, quando nos mudamos para o bairro. Sorridente, pedia ajuda nas casas e jamais se irritou ou insistiu após um “não’. Recordo-me de quando bateu aqui no mesmo dia em horários próximos. Levou bronca da mamãe ao retornar. Deu uma risada gostosa e disse: “Já sei, vó, tá (sic) brava porque não saiu ainda a aposentadoria”. O lanche, o pacote de biscoito, o doce, em lugar do dinheiro, era também motivo de agradecimento. Retorna, agora, sem frequência e sem sorriso. Expressão cansada e o andar trôpego, sustentado em um pau de vassoura.

Por inúmeras vezes, o encontrei cheirando cola, com sofreguidão, em lugares diversos, sentado na calçada. Disseram-me que, desde jovenzinho, vaga pelas ruas e dorme em meio aos eucaliptos de um morro próximo. Não diz de suas origens e muito menos daquilo que o empurrou para as margens.

Às quartas-feiras, costumava vê-lo guardando os carros na feira. Na semana passada, estava apoiado em uma mureta a uns seis quarteirões das barracas. Não foi capaz de chegar até lá e também não se movimentaria com agilidade no espaço em que considerava trabalhar. Os pés feridos. Que penoso! Sem repertório para pedir ou desejar ajuda. O desabrigo, que soma fantasmas aos seus, o destroça aos poucos.

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A mocinha, do sono sem encantos, tinha em uma das mãos, bem junto ao rosto, um paninho com flores coloridas, talvez a única lembrança bonita da infância, e,em um dos pés, uma meia de bailarina.

Peço a Deus pelos dois. Que o moço encontre força para reagir e um pouso com dignidade e que ela, com passos de bailarina de caixinha de música, se depare com o Concerto da Primavera de Vivaldi e consiga seguir em um compasso novo.(Foto: 1freewallpapers.com)


MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE

Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de risco.

 


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