A internet é a VILÃ?

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O uso da internet é algo que merece ser analisado e revisto periodicamente. Ao mesmo tempo que se apresenta como algo de suma importância para a comunicação social, também é um dos maiores movimentos de desagregação familiar e social: isso porque a divergência gira em torno do uso e de sua extensão. Afinal, a internet é vilã?

Enquanto o uso está voltado ao trabalho ou a comunicação essencial, com os cuidados devidos e as regras posturais atendidas (sim, regras posturais, de postura cultural e não postura física) a situação parece estar numa adequação que se perde ao avançar para o uso indiscriminado desta rede de comunicações.

É comum vermos em praças de alimentação aqueles que não se desprendem do celular, numa conversação frenética e descontrolada, inclusive falando alto como se a intenção fosse que todos participassem da conversa particular ali estabelecida. Entretanto, estes usuários não se percebem infratores e tornam-se agressivos ao serem notificados do ato pouco civilizado.

Outra situação comum e muito frequente, no mesmo espaço cultural, é a família sentada à mesa, esperando a alimentação, cada um dos seus membros com um celular na mão, todos teclando indiferente à presença do outro: família unida que se desconecta unida. Este exemplo, por demais comentado e usado em notícias e estudos, retrata a questão cultural desrespeitada e a desunião familiar anunciada.

Sim, a internet nos leva a acreditar que usufruir e ampliar seu uso coloca-nos na dianteira de muitas questões econômicas, de saúde e cultural; porém, nem sempre é saudável pensar no uso de forma patológica, o que vem crescendo exponencialmente. Fácil perceber que estes usuários são aqueles que encontram justificativas que validam seus comportamentos degradantes.

Estudos de grande envergadura indicam que, no Brasil, já temos 43% de pessoas dependentes da tecnologia, o que significa que em cada 10 brasileiros, 4,3 já não se desgrudam do seu celular, diuturnamente. Há, ainda, estudos que indicam a dependência do estado de humor dos internautas, com seu uso constante, adotando uma forma de se automedicar emocionalmente, empurrando os problemas pessoais para fora de seu espaço visual e “iludindo-se” com a tranquilidade trazida pela telinha.

Já tratamos deste assunto, em nossas crônicas, mas a questão volta à cena e cobra-nos novos olhares diante da evolução desta proposta patológica e contagiante. A situação parece não ser de gravidade, se não nos atentarmos aos fatos com o rigor que merecem: à medida que experimentamos certas doses de tensão e de sofrimento, encontramos um refúgio em atividades que nos distanciam das dificuldades cotidianas.

As rotinas não mudarão, os problemas não cessarão e as angústias não diminuirão. A internet será apenas uma porta de fuga, que nos facilita a anestesia da realidade social e das dores reais que se escamoteiam em vitórias em joguinhos e sensualização em páginas de encontros ou vídeos quentes. Embora nada substitua a realidade e a aflição sofrida.

Os mais inseguros se aventuram à experiencias inusitadas: criam coragem para falar o que pensam e para avançar sinais jamais pensados, uma vez que o anonimato favorece à coragem (covardia) de se atrever a ser o que não se é. Porém, o problema está em transpor a telinha e buscar viver o personagem que manipula o celular; esta impossibilidade será apenas o estopim daquela ansiedade que se avolumará e se transformará numa situação crônica e insustentável.

E, assim, instala-se a doença mental, com sutileza e delicadeza jamais prevista. Pessoas gentis com seus contatos, generosas com seus seguidores, são aquelas que, muitas vezes, são negligentes com seus familiares e pessoas mais próximas. As abordagens on-line são sempre muito distantes das abordagens presenciais e, felizmente, os contatos interpessoais são aquilo que precisamos para a produção da oxitocina, hormônio tão importante e vital para nossa saúde mental.

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É mentira que um bom dia ou um como vai, dado pela telinha, substitui o contato direto: a telinha promove o distanciamento social e enfraquece a relação interpessoal. Não há como negar o valor da comunicação on-line e os serviços que a internet oferece favorecendo o avanço da sociedade e das propostas de trabalho e desenvolvimento da economia. Porém, nada justifica a atividade focada e viciada em joguinhos e salas de bate papo, de modo aleatório e indiscriminado. A necessidade de adaptação é parceira da necessidade de vigília ao comportamento viciado e doentio; ainda que não reconhecido, como todo vício nunca é reconhecido.

Este é um assunto importante e que gera muita discussão, obriga-nos a voltar a tratar dele, em mais uma outra crônica, futura, para alimentarmos nossas análises. O anestesiamento é algo que preocupa a sociedade neste século 21 e já faz dependências psicológicas que levam estudiosos a se debruçarem em pesquisas para minimizar os estragos já perceptíveis.(Foto: Depositphotos)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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