Marcar o corpo é um adorno que remonta a antiguidade. Em casos especiais, vale relembrar que os faraós eram tatuados e se pintavam como símbolo de poder, de conhecimento e de espiritualidade: cada um dos traços da tatuagem e as cores tinham significado, que se ampliava a medida que o corpo marcado ganhava visibilidade.
E hoje, por que nos tatuamos? As motivações são as mesmas de séculos atrás? Nossas relações humanas são sustentadas pelos mesmos vínculos de tempos passados? Atualmente, a cada segundo temos alterações inimagináveis e isso atinge nossa pessoa e suas relações interpessoais. Seja do tipo que for, a relação sofrerá mudanças, a cada segundo; as relações também atendem pela fugacidade em que nossa sociedade pós-moderna está imersa.
Vemos que, estudando a origem da tatuagem, fica claro que o guerreiro, marcado de luta e riscado na pele tem olhares voltados para o corpo que diz a que responde: às batalhas, aos combates, à vitória. Cada risco daquele significa o quanto se lutou e o quanto se necessitou de sabedoria para sair vencedor. Isso vale para hoje?
Partindo deste início, onde a cicatriz era sinal de virilidade e força, hoje temos a situação mais artística e até esotérica; ainda traz muita representatividade e muita história, afinal é uma escrita no corpo e como tal, será duradoura até que algo mude. Mas já adianto que a tatuagem de hoje, 2022, não tem nada a ver com aquela que se associava a malandragem, prostituição.Hoje, ela atende aos desejos das mentes inquietas.
Mentes inquietas por querem mexer em seus corpos e promover mudanças, com melhora na autoestima e ampliação de poder sobre suas vontades. Para alguns, um gesto de liberdade, para outros algo perto do prazer e assim segue-se a vida na sociedade. Expor-se vai além das barreiras físicas e que isso fique bem claro e bem dito.
Outra perspectiva fascinante é a da exclusividade e da coragem de romper fronteiras e limites sociais; independente do motivo e da cor da tatuagem, ela permite visualizar alguém que rompeu limites e se permite apresentar numa outra versão: coragem, é o nome disso. Um grande gruo de pessoas pode achar besteira, mas o tatuado se sente especial, porque tem uma tatuagem, uma marca em seu corpo, que ele escolheu, se submeteu e ostenta, com prazer.
Ainda que os não tatuados olhem para aqueles como se percebessem um rebelde em sua frente, nem sempre os tatuados o são. Geralmente tendem a ser mais saudáveis, praticam esportes, são sociáveis e gostam de seus corpos (fato muito bom, quando pensamos na saúde mental). A exposição faz com que estejam sempre se movimentando e se examinando para que não pareçam estranhos, ainda que para si mesmos.
Há estudos (sim, estuda-se o corpo tatuado ou o estado mental da pessoa tatuada) que indicam que as tatuagens são concretizadas em momentos de certa angústia e inquietude. O sofrimento pessoal é capaz de alterar caminhos e estradas, que acabam sendo transpostas depois de uma tatuagem ou outro tipo de marca corporal. Seria como se permitíssemos que a Vida nos marcasse das mais diferentes maneiras.
Se é fato ou se é lenda, o que temos de certo é que a Vida nos marca, queiramos ou não. Os problemas, as dificuldades e as desavenças são marcas irreparáveis que se perpetuam em nosso cérebro; essas são eternas e não se apaga nem com toda a transformação que possamos exercer em nosso interior, tornando a tatuagem artística algo de segunda grandeza. Penso muito nisso.
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Minhas tatuagens são marcas corporais que me estimulam a manter esse corpo cansado em pleno desenvolvimento e me trazem prazer pela Vida, pela sua representação e proposta. Ajudam-me a me tornar mais leve, mais integrado, mais atento comigo, apesar de saber que muitos amigos desaprovam. Se fui ao tatuador por indicação de quem eu tanto gosto, porque me atentaria a quem pouco se importa comigo?
Tatuagem é um ato de amor próprio, semelhante àquela que temos no coração, sem nunca revelar a ninguém, mas que nos coloca diante do verdadeiro amor, que nos permite sonhar e seguir em frente e que nos diz: vai! Você consegue. Tatuagem é um remédio para a alma dos que amam e sabem que são amados. Eu me atreveria a perguntar: quem não tem algo tatuado em seu coração? Quem não esconde um grande segredo?(Foto: Pikist)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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