Quinze anos atrás visitei a família de um amigo e presenciei uma cena que, depois, contando para minha mãe, ela ficou impressionada. A mesa para o café da manhã estava posta. Então chegam os três filhos e o pai. Como havia sido convidado pelo amigo, me junto a eles. Transcorre normalmente o café da manhã. O pai e as irmãs são os primeiros a se retirar da mesa. Então, quando vou me levantar, observo que sobre a mesa, além das xícaras, copos, estão jarras e potes descobertos. Todos se saciaram e sequer tiveram o cuidado de fechar pote de manteiga e outros. “Começo a fazer isso, no que meu amigo diz: “não, deixa que isso é com minha mãe”. Fiquei ali imaginando se esse hábito da família teria a ver com a religião deles e um caso extremo de submissão da mulher, mãe. Talvez… Algo até bem mais amplo, já que minha mãe e minha avó contavam que em nosso nicho também enfrentaram algo semelhante. Minha avó estudou e estava para se formar no magistério quando casou e recebeu a seguinte proposta de meu avô: “não precisa trabalhar, você cuida da casa e dos filhos, eu sustento a casa com meu salário”. Mas minha avó bateu o pé e disse: “não vou jogar fora anos de estudo, vou trabalhar sim. E se não estiver satisfeito, está livre para procurar outra, não precisa ficar comigo, arrume outra esposa”.
Meu avô acabou aceitando que minha avó trabalhasse, mas nunca houve ajuda da parte masculina na casa. Minha avó precisava se desdobrar entre correção de cadernos de alunos, preparar aulas e cuidar da casa, sendo que, inevitavelmente, precisou da ajuda da mãe dela (minha bisavó) e da filha (minha mãe). Predominava aquela visão machista, de que as mulheres são as serviçais, para atender todas as vontades dos homens, que sequer retiram seus copos e talheres usados da mesa e passam uma água. Minha mãe ensinou aos seus filhos a nobre atitude da cooperação doméstica. Um ajuda o outro. Foi assim que aprendi. Não sobrecarrega ninguém. E elimina aquele conceito nefasto de submissão da mulher.
Mas ainda há outro ponto tão pesado quanto a submissão, que é a intromissão, que já se expande e não fica restrito à figura feminina. O indivíduo que se coloca no direito de saber de tudo, de todos, nos mínimos detalhes, é aquele que se autoproclama “dono” da família. E quando digo família, vai além. Normalmente estes querem controlar a vida pessoal de cada um.
A velha intromissão largamente conhecida é o diz-que-diz, aquelas tradicionais fofocas de portão, entre vizinhos, antes da chegada da internet. Fofoca sempre fez parte da vida em sociedade. No entanto, ela ganhou novos contornos e novo poder a partir da chegada da internet, principalmente depois do bichinho chamado WhatsApp. Antes mesmo deste, nas tradicionais ligações por celular, presenciei certas vezes a pessoa atender e a primeira pergunta que recebeu foi “onde você está?”
Se a tecnologia auxiliou por um lado a rapidez da comunicação no âmbito profissional, de negócio e também de segurança, principalmente em relação aos nossos filhos, ela também atende interesses e esquemas do outro lado da moeda. A criminalidade sabe usar bem a tecnologia para seus objetivos. E a velha curiosidade humana então… atropelou e matou a privacidade. Hoje lutamos para ter o mínimo de privacidade, inclusive dos olhos de parentes. Engana-se quem pensa que todo parente; irmão, sobrinho, sobrinha, primo, prima quer o seu bem. As pessoas mudam com o passar dos anos, e nem sempre essa mudança é para melhor. Chegam jogando verde para colher maduro. Fingem gostar de você simplesmente para descobrirem suas armas e poder lhe desarmar na hora certa. Também querem alimentar suas curiosidades. Dificilmente alguém se aproxima para ajudar. A aproximação é para obter as rédeas e levar vantagens. A internet estimulou a ostentação. Todos querem mostrar coisas novas que conquistaram; claro, nunca se sabe se tal conquista foi fruto de empenho, de suor ou se foi “presente”, uma casa ganha da bisavó, da avó… empreender em cima de herança é fácil. E para a coluna social virtual o que vale é a imagem.
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Nessa rede de intromissão e ostentação, minha mãe dificilmente vê com bons olhos o avanço da tecnologia da comunicação. Se antes ela já sofreu, com pessoas que se aproximavam jogando verde, para saber da vida particular dela, agora é bom que ela nem saiba o poder que a fofoca virtual possui. Os curiosos de plantão sempre virão com esta expressão; “mas se não tem nada a esconder, por que não conta tudo”? Trata-se de privacidade. Pessoa com vida devassada não vai para frente. Saber de alguém, nada além do que realmente seja necessário. Por exemplo, o currículo da pessoa. Isto sim interessa a todos. Já vida particular, vida íntima, não interessa a ninguém. Muito menos salário. Não poderia deixar de citar isto, que também é uma das maiores curiosidades de pessoas de todas as camadas sociais. Não me esqueço quando fui recenseador do IBGE nos anos 90 e uma senhora, de um bairro tradicional de Jundiaí, perguntou para mim: “sei que é chato, mas vou perguntar; você poderia me dizer quanto é o salário da mulher que mora naquela casa?” Eu estava com o questionário guardado e tranquilamente respondi que é antiético e trata-se de uma norma do trabalho não passar informações alheias. Pensei em também falar sobre pobreza de espírito. Pessoas xeretas, curiosas e manipuladoras possuem baixo espírito. Intromissão pura. Temos que ser fortes para driblar essas tantas e tantas pessoas… algumas são bastante visíveis, outras sabem se maquiar muito bem. Todo cuidado é pouco. Em tempos de WhatsApp, um dia muitos dentre nós clamarão desesperadamente pelo valor da privacidade. Guardem isto.(Ilustração: www.digit.in)
GEORGE ANDRÉ SAVY
Técnico em Administração e Meio Ambiente, escritor, articulista e palestrante. Desenvolve atividades literárias e exposições sobre transporte coletivo, área que pesquisa desde o final da década de 70.
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