A ilusão da LIBERDADE

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A liberdade e a independência são conceitos profundamente interligados, que permeiam tanto as esferas públicas quanto as privadas de nossas vidas. Historicamente, a luta por independência política e soberania nacional tem sido associada à conquista da liberdade de uma nação, à emancipação de um povo de forças opressoras externas.

No entanto, é válido questionar: de que adianta uma nação ser livre se os indivíduos que nela habitam não alcançam sua própria independência pessoal? A reflexão sobre a verdadeira liberdade vai muito além do conceito político de libertação de uma nação e nos convida a examinar a autonomia em nossas próprias vidas, questionando se somos realmente independentes das pressões sociais, culturais e até mesmo psicológicas que nos cercam.

A liberdade individual e as influências coletivas refletem propostas de vida interessante para uma boa reflexão. Uma das primeiras questões a serem refletidas é se somos realmente independentes das ideias de nossos grupos sociais. Desde cedo, somos inseridos em estruturas sociais que moldam nossas perspectivas, crenças e atitudes.

A família, a escola, os amigos e, posteriormente, o ambiente de trabalho são apenas alguns dos grupos que exercem influência direta sobre quem somos. Muitas vezes, essa conformidade ao grupo não é consciente, mas uma resposta natural à nossa necessidade de pertencimento.

Segundo Bauman (2001), a modernidade líquida dissolve as certezas e nos coloca em constante adaptação aos contextos mutáveis, levando-nos a nos ajustar continuamente às expectativas dos outros.

Nesse sentido, a liberdade pode ser percebida como ilusória. Mesmo quando acreditamos ser autônomos em nossas escolhas, muitas vezes estamos replicando os padrões e expectativas impostos por nossos grupos de referência. A pressão para conformar-se às normas sociais é uma das barreiras mais sutis à verdadeira independência.

Afinal, quantas vezes realmente paramos para pensar se nossas opiniões são genuinamente nossas ou meras reproduções do que ouvimos e absorvemos de nosso círculo social? A dependência de medicamentos e a busca por controle fazem complemento e indignação em nossos tempos.

Outro ponto importante a ser analisado é a dependência em remédios. Vivemos em uma sociedade que valoriza a eficiência e o desempenho, e os medicamentos muitas vezes são vistos como um meio de garantir que continuemos a funcionar dentro dessas expectativas. O uso de ansiolíticos, antidepressivos e outros psicotrópicos é cada vez mais comum, e a medicalização da vida cotidiana se torna uma realidade inevitável para muitos.

O que nos leva a questionar se somos independentes em relação à nossa saúde mental e física. O uso de medicamentos pode proporcionar alívio e, em muitos casos, é essencial para o bem-estar de indivíduos que sofrem de transtornos mentais.

No entanto, há uma linha tênue entre o uso necessário de medicamentos e a dependência deles como uma solução rápida para problemas que, muitas vezes, são mais profundos. O filósofo Michel Foucault (1979) discute a medicalização da vida como uma forma de controle social, em que os corpos e mentes dos indivíduos são disciplinados para se ajustarem às normas sociais de saúde e bem-estar.

Moda e consumo: a ilusão da liberdade da modernidade e da sociedade de consumo. A moda, com suas constantes mudanças e ciclos rápidos, representa outro desafio à verdadeira independência. Somos, de fato, livres para escolher nossas roupas e expressar nossa individualidade por meio da moda? Ou estamos simplesmente seguindo tendências que nos são impostas por uma indústria multimilionária que lucra com nossa necessidade de aceitação social?

A moda, embora seja um veículo de expressão pessoal, também pode ser vista como uma armadilha. Zygmunt Bauman (2008) argumenta que o consumo se tornou uma forma de pertencimento na sociedade contemporânea. Somos bombardeados diariamente com imagens e mensagens que nos dizem o que devemos vestir, como devemos nos comportar e o que devemos consumir. Nessa perspectiva, nossa liberdade de escolha é limitada pelas opções que nos são apresentadas e pelas normas que nos são impostas pelo mercado e pela sociedade.

A independência das religiões e dos partidos políticos faz total sentido quando pensamos em ser livres e seguramente independentes de filiações. Este aspecto a ser considerado é a independência em relação às religiões e partidos políticos. Desde tempos imemoriais, as religiões desempenham um papel central na vida das sociedades, moldando valores e comportamentos.

Para muitos, a fé é uma fonte de orientação e sentido. No entanto, é importante questionar até que ponto somos livres para interpretar e viver nossa espiritualidade de maneira independente, sem nos prender aos dogmas e às estruturas rígidas das instituições religiosas.

Da mesma forma, no campo político, os partidos têm o poder de influenciar nossos pensamentos e nossas ações. A afiliação a um partido político pode moldar nossa visão de mundo, nossas prioridades e até mesmo nossas alianças pessoais.

A verdadeira independência, nesse contexto, exigiria uma capacidade crítica para analisar e avaliar posições e ideologias, sem a pressão de se alinhar cegamente a um partido ou movimento.

Por fim, devemos refletir sobre nossa independência em relação às festas e aos padrões de comportamento que se estabelecem ao nosso redor. As festas e celebrações sociais, que deveriam ser momentos de descontração e celebração, muitas vezes se tornam pressões sociais disfarçadas. Participar das festas “da moda” pode ser uma exigência implícita para manter nosso status social e pertencimento a determinados grupos.

Essa dependência de participar de eventos sociais ou seguir modismos evidencia nossa necessidade constante de aprovação e pertencimento. A liberdade, nesse sentido, seria a capacidade de recusar essas imposições e viver de acordo com nossos próprios ritmos e desejos, sem nos sentirmos marginalizados ou menos valorizados por isso.

A verdadeira liberdade: uma construção interna que nos fortalece e nos lança a espaços que desafiam nossa vivência. Diante de todas essas reflexões, fica claro que a liberdade e a independência são conquistas complexas, que envolvem tanto a luta contra forças externas quanto a superação de limitações internas.

A verdadeira independência não reside apenas em uma pátria livre, mas em nossa capacidade de nos libertar das amarras invisíveis que a sociedade, a cultura e nossos próprios medos nos impõem. Nesse sentido, a independência é um processo contínuo de autoconhecimento e resistência às pressões externas. É a capacidade de questionar, criticar e escolher conscientemente, sem ser levado automaticamente pelas correntes dominantes.

A verdadeira liberdade não é um estado a ser alcançado, mas um caminho a ser trilhado, dia após dia, em busca de uma vida mais autêntica e alinhada com nossos valores mais profundos. A reflexão sobre a independência pessoal nos leva a questionar se somos realmente livres em nossas escolhas e ações.

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A liberdade, ao contrário do que muitas vezes se imagina, não é apenas a ausência de opressão externa, mas a capacidade de viver de acordo com nossas próprias convicções, livre das influências e pressões de grupos, medicamentos, moda, religião, partidos políticos e eventos sociais. A verdadeira independência exige coragem para desafiar o status quo, para viver de forma autêntica e para buscar um caminho que, embora possa ser solitário, é fiel a quem realmente somos. Pouco nos interessa comemorar o 7 de setembro se não conseguimos comemorar nossa independência interna e nossa mobilidade por todas as tribos e espaços socioculturais por onde passamos. Afinal, somos mesmo independentes?(Foto: Bruno Peres/Agência Brasil)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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