Há 10 dias não imaginava que estaria chorando, angustiada, preocupada e triste, por causa de uma guerra há menos de 1.600 km de onde moro, Berlim, capital da Alemanha. E me perguntando se devo deixar uma mala pronta pra fugir…
Sabemos que o mundo não está em paz faz tempo. Trabalhei com crianças refugiadas da Síria, Irã, entre outros países de 2017 a 2020 e vivi vários momentos em que dizia precisar ir no banheiro e me debulhava em lágrimas por alguns minutos para as crianças não perceberem o quanto a situação delas era, na verdade, extremamente triste. Mas naquele momento, elas, pelo menos, estavam novamente em segurança, mesmo que traumatizadas….
Agora é diferente. Não apenas porque está muito, muito mais perto. Não apenas porque está ameaçando tomar proporções enormes e sim, chegar a uma terceira guerra mundial. Mas porque está atingindo amigos, alunos, pessoas ao meu redor. Se já tenho chorado desde o dia que começou esta insanidade, tem piorado a cada dia e hoje atingiu o cume.
Estava na casa de uma brasileira que já está há mais de 30 anos em Berlim, chegou antes do muro cair. Viveu esta cidade dividida, o que eu, que já tenho mais de 20 anos de Berlim, não consigo imaginar. Toda vez que passo as marcações na rua, que ficaram para não esquecermos esta horrível história, tento pensar como seria não poder seguir, ter a liberdade ali podada. E agora vem exatamente essa sensação…
Estava lá, no centro da capital alemã, em Mitte, ajudando-a com as manhas de uma plataforma de ensino, coisas da internet, coisas que vieram bem depois do muro, numa época em que achávamos que estávamos vivendo em paz, numa situação privilegiada. De repente, vem a pergunta: “Você já tem uma mala pronta, com seus documentos e principais pertences, caso precisemos fugir?”.
Meio chocada, além de bater na madeira como reflexo, respondi: “nem brinca”. Ela continuou: “Ué, você não ouviu no rádio hoje? Estão recomendando fazermos uma mala, estão checando os porões aqui na Alemanha caso precisemos nos esconder… nos metemos demais nesta guerra, não devíamos ter mandado as armas…”
Ela comentou que foi na Estação Principal tirar fotos dos refugiados que estão chegando a todo momento em Berlim para despertar mais solidariedade postando as fotos em suas redes sociais. Cortei o assunto com um nó na garganta. Não quis mais falar naquele momento.
A semana toda, com todos os meus grupos de aulas de português acabamos tematizando tudo isso, aprendendo o vocabulário das palavras guerras, paz, manifestação, ucranianos…..tive alunos que pediram desculpas por não participar das aulas porque estão engajados na ajuda para receber os refugiados, tenho aluna da Lituânia, da Romênia, preocupadas com parentes, amigos, que não estavam com cabeça para aprender português.
Voltei a me concentrar no nosso desafio do momento que era decifrar a internet. O assunto morreu por alguns minutos na minha cabeça, o estômago dava sinal de também querer atenção. Saí de lá e lembrei da dica dela de avisar amigos que falam russo para ajudarem na Estação Central. Do metrô, mandei uma mensagem para uma amiga russa-ucraniana que já havia me contactado no domingo. Ela acabou me ligando pedindo mais detalhes.
Estava dentro do trem e ela não conseguia me ouvir direito mas eu sim. Ela soluçava, muito, muito, desesperada. “Meus familiares, crianças, idosos, estão escondidos em porões, muita gente está morrendo, não sei mais o que fazer”. Ao meu lado, no trem, uma família com malas falavam russo entre si.
Provavelmente refugiados recém-chegados. Comecei a chorar, não conseguia mais segurar a porcaria da máscara FPP e limpar o nariz e falar com minha amiga ao mesmo tempo. PQP, já não bastava o coronavírus? A Guerra na Síria e em tantos outras regiões que tentamos ajudar como podemos? A fome e miséria que boa parte da população mundial passa? Não bastava? Precisava mais essa???
Me senti totalmente esgotada, inútil, impotente….Vão me chamar de louca mas pensei seriamente, mais de uma vez, em ir lá, no front. Em ajudar a defender o monte de inocentes que estão perdendo tudo com essa guerra….
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Não sei o que vai ser amanhã. Não sei se levo à sério e preparo minha mala para fugir. Não sei se quero fugir. Acho que prefiro lutar. Sim, pegar em armas ou tentar tirar as armas e dar flores pra quem estiver segurando as mesmas. Mas lutar. Fazer alguma coisa.
Acabei de mandar um recado pra minha amiga, ela se acalmou um pouco. Os psicólogos dizem que os dois é importante: debater, falar do assunto e também desligar. Agora estou desabafando com este texto, chamando a atenção pra quem ainda não percebeu que “o bicho está pegando”, que esta guerra não é brincadeira, que é preciso nos unirmos para parar com essa insanidade…. antes que seja tarde demais e nem a mala pronta possa mais ajudar já que não teremos mais para onde fugir….(Foto: Ioana Moldovan/Unicef)

SANDRA MEZZALIRA GOMES
Jornalista jundiaiense, colaboradora do Jundiaí Agora. Mora na Alemanha há duas décadas
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