E na noite de quinta-feira, dia 09, fomos magistralmente brindados com um programa em canal aberto, na não menos suspeita Rede Globo de Televisão. A programação teve como tema o controvertido lema: “Homem que é homem não chora” e discutiu-se a masculinidade. No comando da versátil e bela apresentadora Fernanda Lima.

Num estilo modernoso e avançado, para padrões normais (o que seria normal, mesmo?) para uma atração em canal aberto, semanalmente é proposto um tema desafiador, que é apresentado, debatido, cantado, representado e esmiuçado, com pessoas das mais variadas formações, sem esquecer dos cientistas sociais ou das demais ciências humanas, que comparecem para assegurar um grau de culturalidade e contextualização.

O tema, por si só, já permitia antever o que teríamos pela frente. E com uma conduta inteligente e personal, Fernanda Lima, se apoderou da proposta e enredou a todos, no decorrer de toda a atração. Entrevistas de alto nível, depoimentos contundentes, musicalidade condizente e “jogos” que possibilitaram o entendimento e a adaptação do brasileiro contemporâneo ao que se tem de proposta.

Interessante rever o caso do pai que apanhou na rua, por estar abraçado com seu filho. Muito gritante e estúpida a releitura da bárbarie vivida pelo senhor paulistano que, mesmo provando aos agressores, que o jovem a quem abraçava era seu filho, foi espancado, perdeu parte da orelha e resiste, ainda a dizer: por que isso? “O mundo precisa de mais carinho. Vou sempre abraçar meus filhos. Vou sempre dizer que os amo. Eles são meus filhos”.

Obviamente que este depoimento causou certa inquietação nos presentes e nos telespectadores, porque foi um assunto muito comentado, há anos atrás, mas que não se soube do desfecho. Então, o desfecho é este: o senhor esta deformado fisicamente, tem certo problema de dicção porque a articulação mandibular foi afetada pelos chutes que recebeu no rosto. Mas continua pai, continua másculo, continua viril e continua cidadão. Lógico que não um cidadão comum: um cidadão que lutou pelo direito de abraçar seu filho na rua. Um cidadão diferenciado, se podemos qualificá-lo.

Aos artistas que compõem uma bancada, foi questionado sobre o ato de dizer “eu te amo” aos pais. Surpreendentemente revelou-se que alguns o dizem, com naturalidade, outros que dizem com certa dificuldade e outros, ainda, não o dizem, porque não foi o que aprenderam com seus genitores. Que coisa séria: não aprenderam com os pais a dizer “eu te amo”. Se tal ato maior da Vida não se aprende com os pais, aprende-se com quem? Onde? Em quais situações? Nesta etapa do programa, tivemos auxílio de psicólogo, antropólogo, público, cada um colocando suas contraposições. Mas apontando para a formação afetiva pífia que temos recebido.

Já deu para perceber, sem avançar mais, que tratou-se de um momento em que a TV aberta se abriu para debater tema excludente, tabu dos bravos, com conteúdo, sem ser caricato e nem populista, mas levantando bandeiras da seriedade e civilidade pouco explícita em nossa avançada sociedade contemporânea brasileira.

Com a proposta aberta de desconstruir o preconceito, machismo esteve em foco, abraçado à homofobia, ao sexismo e demais temas urgentes que perpassam por estes olhares e condutas. Depoimentos ilustravam dificuldades de relação sociocultural e deboches, como o caso do rapaz de Santa Catarina que protagonizou a ação de usar uma saia e ser barrado na escola em que cursava o ensino médio. Lógico que ele contou que houve muita gozação e ofensas, quando usava saia na rua.

Contou ele, que hoje a escola em questão permite que cada um use a vestimenta que bem entender, saindo do modelo sexista binário, atendendo à solicitação de seus alunos, que reivindicaram por esta mudança, dentre outras de igual ou maior grandeza.

O ato de chorar em público foi muito explorado: pais ou participantes comentaram de sua dificuldade em chorar em público, “porque homem que é homem não chora”. E, o que trouxe certa magia ao quadro foi saber que eles choravam escondidos, no quarto, no banho ou longe de suas crias. Mantinham a postura do macho brasileiro, muito comentado por todos os debatedores.

Ney Matogrosso ampliou a discussão sobre o machismo, quando disse que decidiu que mostraria como um ser livre gosta de ser homem, sem se sentir restrito a isso, o que o permitiu mostrar o corpo, acariciar-se e desnudar-se em suas apresentações. Comentou da rígida educação militarizada que recebeu em casa e dos diálogos duros e ríspidos com seu pai, inclusive da surra que levou para que aprendesse a chorar. O escritor Francisco Bosco interpelou dizendo que aquilo que foi aprendido, em sua geração, sobre ser macho, jamais será ensinado aos seus filhos.

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Trouxe a baila a questão do autoritarismo masculino, que se manifesta de várias formas: interrompendo a fala feminina, falando mais alto que nossas companheiras, não escutando a voz feminina. Coisas estas ainda existentes em nossa avançada sociedade contemporânea brasileira, mas já conflitante com educações mais igualitárias e justas.

Palavras duras foram proferidas pelo figurinista Dudu Bertholini, que afirmou saber que nunca cumpriria a expectativa de masculinidade que o mundo tinha em relação a ele. Mais: quando se é um menino sensível, sofre-se a pressão do mundo. Concluiu sabiamente que para ser um homem sensível é preciso ser muito homem.

Códigos de afeto, no mundo machista, são facilmente identificados: tapinhas impessoais nas costas, bater firme as mãos, ombradas, socos no peito…mas isso representa o que? Quanto de másculo existe em cada uma destas encenações? A que pretexto se fazem presentes e respondem a algum modelo? Há modelo de ser homem? Porque modelo de ser macho, existem!!!

Há um lugar em que os homens se soltam, se libertam, se abraçam, se beijam…na arena esportiva vale tudo, no decorrer do jogo ou do embate. Certamente todos já vimos que no decorrer de um jogo, vemos tapinhas na bunda, abraços fortes, encostadas viris, vale até beijo no momento do ponto.

Por que no campo tudo pode? Foi mencionado que no futebol é o lugar onde se dá um tremendo contrabando de homoafetividade; no mundo masculino os afetos tem que fluir indiretamente; o futebol legaliza homens suados se abraçando, comemorando gol. Quando se torna explicito esse contrabando, o fluxo pára….Segundo José Loureiro, depois do campo vem a ducha….”manja-se” mas mantem-se a linha, é uma “licença” que pode acontecer no vestiário, mas fora dele o pudor volta a tomar frente e a cultura machista se apresenta, com força, novamente.

Não há hipótese em se demonstrar a emoção, sem ser notado. Existe uma licenciosidade que, nas esferas esportivas pode acontecer, porque corresponde ao momento, que é tipo como másculo e de intensa emocionalidade, o que significa que ali pode. Naquele espaço e naquela circunstancia tudo é permitido, porque é uma demonstração intensa de masculinidade. No entanto, como diriam meus alunos, SQN (só que não…..rsss).

Muitos adolescentes passam por processos de solidão total, por não poderem confidenciar seus problemas, sejam eles quais forem, para seus colegas. Seria passar uma ideia de fragilidade e insegurança. Então, fecham-se em seus mundos e estabelecem barreiras impeditivas de uma relação sadia com seus pares. As amizades masculinas ficam superficiais e os namoros, com suas parceiras, passam a assumir os rumos de uma atração doentia, insegura e autoritária.

Pelo choro vemos a demonstração de uma emoção. Meninos geralmente não demonstram afeto nem verbal nem físico, para não parecerem suspeitos, frágeis. Isto é denominado de criação tóxica de masculinidade. Muitos dos adolescentes jovens passam por isso, procurando grupos ou ações apesar de não se sentirem incorporados a estes grupo. Não encontram afinidade, naquele espaço mas reproduzem apenas aquilo que o grupo quer, para dar uma falsa ideia de pertença.

Isso leva a uma solidão masculina, tornando aquelas pessoas mais individuais, mais isoladas, causando um egoísmo e violência, sem trabalhar as questões negativas da vida, acumulando-as e levando a uma sintomatologia nociva, com explosão de raiva e de agressão, contra si e contra outros.

Isso só gera violência e estupidez….os homens precisam entender que eles podem ser sensíveis, delicados, sem perder a masculinidade. Tem que respeitar a pessoa, o ser é mais importante que o sexo. Muitos homens já estão se libertando dessas amarras do machismo e estão muito mais aptos a demonstrar os prazeres do sexo, sem ter que cumprir o papel de macho.

É tempo de desconstruir aquilo que não nos satisfaz e deixar a repressão para traz, reconquistar o sistema afetivo autentico. Meninos merecem ser completos. Podem ser apenas homem. (Foto acima: eltigris.wordpress.com)

AFONSO 2AFONSO ANTONIO MACHADO

É docente e coordenador do PPG- Desenvolvimento Humano e Tecnologias da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia.