E chegou o Carnaval. Dias de alegria, dias de extravasar as emoções represadas, dias de euforia. Será? Será assim para todos? Haverá pessoas que esperam o Carnaval para se soltar? Ou estamos sempre livres, leves e soltos, não tendo datas especiais para isso? Interessante que parece que vivemos em função do calendário, ao invés de tê-lo para delimitar compromissos, o usamos para indicar nossas nuances afetivas. Pobre humano que não deixa a emoção fluir livremente e precisa ser lembrado dos momentos de alegria, momentos de cautela e momentos de tristeza!!!! Momentos obrigatórios delimitados por um calendário.
E com isso, vamos pautando nossos dias e nossos compromissos com as tinturas das emoções e sentimentos que entendemos corresponder com as datas ou eventos. Assim é com o Carnaval, Quaresma, Natal, Passagem de Ano e demais datas mais cravadas e mais comemoradas. Dificilmente deixamos de nos perceber combinando emoções e festividades: ou tristes, ou melancólicos ou eufóricos, de acordo com a data.
Como uma roupagem ou como um código que nos obriga a sermos e agirmos como deve ser adequado, dentro de um padrão social estipulado por alguns que, hoje, chamamos se “influencers”, sem que isso seja regra nem convenção. Porém, seguido por uma vasta maioria. E discriminado por quem não pertence ao grupo. O diferente é, sim, discriminado por não ser parte do grupo (que tristeza…).
Verifiquei isso no sábado, quando fui ao bloquinho de carnaval, ao lado de casa. Conhecia todas as facções: os novinhos eram filhos de amigos, os adolescentes eram ou são alunos ou ex-alunos, os maduros eram conhecidos ou parceiros de alguma ação qualquer, os idosos eram meus contemporâneos. Nestes grupos víamos todas as demonstrações de apoio ou adesão ou indiferença às mais diversas diversidades (já estou usando diversas diversidades, tamanha é a variedade).
O que mais me chamou a atenção foi o clima: sem contar com os calibrados por gim ou caipirinha (das mais variadas combinações) ou uísque, tínhamos ainda os aditivados por outras fórmulas e os que estavam presentes, de corpo e alma, sem nenhuma necessidade de se compor para demonstrar um estado de euforia. Repito a questão que usei de mote para iniciar a crônica: Existem pessoas que esperam o Carnaval para se soltar? Ou estamos sempre livres, leves e soltos, não tendo momentos ou datas especiais para isso?
Na verdade, não sei o que dizer (ou sei e prefiro não dizer), porque não é preciso ser analista de comportamento para perceber o que é real e o que é forçado ou maquiado. A diferença entre forçado e maquiado é simples: forçado é aquela forçada de “cara feliz”, também conhecido como sorriso para o “Insta”. Já o maquiado é aquele que preciso seu aditivado, o que não existe sem antes ser calibrado (acho que estou sendo claro e objetivo).
Talvez, a pergunta seja: precisa ser assim? Não. Não precisa, mas assim é a vida que vemos ao nosso redor, em todos os lugares em que estamos e vivemos, ainda que não concordemos (aliás, não temos nem que concordar nem que discordar). Se falarmos em coerência e bom senso, é bem capaz que sejamos apedrejados, porque cada um é senhor de sua Vida. O que preocupa é quanto de seguidores existe nos grupos e galeras e turmas que acompanhamos; percebe-se que nem sempre a ação corresponde ao pretendido e o que se observa é que se faz para ser aceito naquele grupo. Triste.
Modelos mal elaborados e lideranças pouco alicerçadas causam determinados desastres que, ao longo do tempo vamos percebendo ser uma emboscada. Nem sempre seguimos alguém por concordar: fazemos para sermos aceitos naquela comunidade e para aparentarmos uma certa identidade que não temos.
É complexo demais conviver num grupo “good vibe” quando não engolimos certos esoterismos, o mesmo se passa quando estamos num grupo de descolados enquanto somos mais tradicionais, mais “normais”; o que pensar quando estamos junto a pessoas de uma alegria superficial e fotogênica, sem ser esta a nossa intenção? Estas são as mínimas das reflexões que podemos levantar para tentarmos perceber a sociedade que temos posta em nosso contexto; a sociedade da qual somos membros natos.
Hoje temos imposta a sociedade da alegria e aqueles que não compartilham deste movimento encontram muita dificuldade em se ver num grupo. Ouve-se com frequência que se não quer estar ali, a liberdade possibilita sua saída do grupo ou do local, o que é verdade, mas e quando o que se vê é uma pulverização de comportamentos artificiais ou arquitetados para receber o selo de “pertença”?
Diante desta reflexão inicial vale a pena garantir que a Vida é para ser vivida e que, cada um, em sua natureza, escolhe seu melhor percurso. Entretanto, se optarmos por uma representação, o preço será mais alto, porque haverá muito confronto e muita animosidade, o que, talvez, faça com que muitos se dobrem diante da necessidade de pertencer a um ou outro coletivo. Novamente: isto custa…
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QUEM ESTÁ DISPOSTO A APRENDER?
Sendo assim, que sejamos resistentes e resilientes para assumirmos nossas escolhas e que estejamos sempre de cara limpa em nossas decisões e relações. Ainda no século 21 é muito interessante entrar e sair de uma relação com muita aprendizagem e muita harmonia. Cresce quem mais viveu e quem mais experienciou. E, para isso, não é preciso vestir o sorriso da mentira ou falsidade ou, ainda, se cobrir de uma couraça proveniente de aditivos e demais artefatos que alterem o estado emocional, para um enfrentamento ou outro.
Viver é muito simples, basta ter coragem e resiliência em todos os momentos. E, finalizando, a vida é muito linda para cobrar de nós uma representação que não se sustenta. Na hora de colocar a cabeça no travesseiro, entretanto a escolha é individualizada e imparcial: você vive a Vida que escolheu. É a única obrigação que temos.(Foto: Pikist)
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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