Vamos falar de música e temas que tiveram como musas as mulheres negras, mas com uma severa crítica de observação. A sigla MPB poderia também em uma das suas versões, ser traduzida como Mulher Preta Brasileira, uma vez que já foi citada, cantada e até difundida nem sempre de forma elogiosa, pois teve uma fase, na época dos anos 50 e 60, que os compositores que se destacavam, escreveram versos do tipo.
“Ô mulata assanhada que passa com graça, fazendo pirraça, tirando o sossego da gente… Ai meu Deus que bom seria se voltasse a escravidão, eu pegava essa mulata e prendia no meu coração e depois a pretoria que resolvia a questão”. Ataulfo Alves, considerado tão elegante e prestigiado, foi o autor dessa proeza e fez um sucesso estrondoso. Numa época que se procurava afirmação e respeito para “pessoas de cor”, o obscurantismo parecia querer predominância, tanto que mais ou menos no mesmo período, o cantor Germano Mathias, que se achava um autêntico malandro carioca, escreveu um samba de nome ‘Minha Nega na Janela’. A letra: “Minha nega na janela, diz que tá tirando linha, eta nega tu é feia que parece macaquinha. Olhei pra ela e disse: vai pra cozinha, dei um murro nela, joguei ela dentro da pia, quem foi que disse que a nega não cabia?”. Ele foi considerado o catedrático do samba…
Com uma narrativa assim como pensar em emancipação ou melhorar a autoestima se na época o que se vendia era a imagem da “nega do cabelo duro, qual é o pente que te penteia?” ou da “nega maluca”, ou ainda da mulher “da cor do azeviche, da jabuticaba, boneca de piche”. A fotografia que ilustra este texto, aliás, é uma cena de um quadro do programa ‘Fantástico’, da Rede Globo, no ano de 1973. Nele, Grande Otelo e Virgínia Lane, falecida em 2014, interpretaram a música ‘Boneca de Piche’. Para dar vida à personagem, a ex-vedete – que era branca – teve a pele pintada de preto. Hoje, essa prática é conhecida como ‘blackface’, uma ofensa porque prega estereótipos negativos sobre negros. No começo dos anos 70, o termo não existia. Era moda ofender os afrodescendentes…
Braguinha, o branquinho que queria ser sambista, escreveu “loirinha, loirinha, dos olhos claros de cristal, desta vez ao invés da “moreninha”, serás a rainha do meu Carnaval”. Num gesto que era praxe na época, ele pretendia clarear a população brasileira e dar um basta na “pretonalidade”. A tal ‘moreninha’ era um disfarce debochado para não dizer ‘negrinha’.
Outra forma de tratamento de malandragem carioca vem no samba ‘Nega Manhosa’, de Herivelto Martins. “Levanta, levanta nega manhosa, deixa de ser preguiçosa, vai procurar o que fazer. Nega deixa de fita, prepara minha marmita, levanta nega, vai se virar. Deixei embaixo do rádio uma nota de 50, vai a feira, joga no bicho, vê se te aguenta, economiza, olha o dia de amanhã. Eu preciso do troco, domingo tem jogo no Maracanã”. Há quem diga: personagens dramáticas, porém, dignas. Será?
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Deveriam ter prestado atenção nos versos de Lupicínio Rodrigues. “Quem sou eu pra ter direitos exclusivos sobre ela, se eu não posso sustentar os sonhos dela, se nada tenho e cada um vale o que tem…”. Mas os machistas não entendem de versos ou poemas. Muito menos de mulher. Passam por cima de tudo, dão uma vilipendiada nas frágeis filipêndulas e seguem chorando como recém-nascidos desmamados.
Essas e outras coisas ditas, faladas e versadas sobre mulheres, sejam elas de qualquer cor, de qualquer raça, encaminharam fatos e etapas para a atual situação. O feminicídio está se tornando a maior estatística de mortalidade. As mulheres negras são as mais assassinadas pelos maridos quem não ouviram a obra-prima do Monsueto: “Me deixa em paz. Se você não me queria, não devia me procurar, não devia me iludir, nem deixar eu me apaixonar. Você arruinou a minha vida, ora por favor me deixa em paz”.

LUIZ ALBERTO CARLOS
Natural de Jundiaí, é poeta e escritor. Contribui literariamente aos jornais e revistas locais. Possui livros publicados e é participante habitual das antologias poéticas da cidade.
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