A “novela nióbio” continua dando o que falar, rendendo capítulos de incertezas. O nióbio é um metal raro, supercondutor e um dos mais resistentes à corrosão. E nosso país tem o privilégio de possuir 98% das reservas atuais de nióbio do mundo. O que muitos brasileiros também não sabem é que o Estado de Minas Gerais, historicamente produtor de muitos tipos de minérios, detém 75% das reservas de nióbio de nosso país. Produção praticamente toda exportada, porque ainda não temos uma política comercial desse minério para uso interno. Se agora existe um projeto neste sentido, está sendo ventilado a partir do anúncio das jazidas existentes num ponto intocado da região Amazônica, a área do Pico da Neblina. O que não é novidade. A Amazônia possui imensa riqueza vegetal e mineral. Mas essas riquezas precisam ameaçar o ecossistema local? Eis a questão!
A Amazônia Legal já perdeu mais de 20% de sua cobertura florestal. Boa parte dessa riqueza extraída foi por caminhos clandestinos e nada representou de progresso ao nosso país, pelo contrário, ficamos conhecidos por mão de obra escrava, semiescrava e outros atos criminosos nesse Grande Norte. A abertura da Transamazônica até o Amazonas trouxe até o momento municípios problemáticos, dominados por políticas coronelistas e sem qualidade de vida à população, diferente de municípios que se desenvolveram ao longo da BR 163 no Mato Grosso, onde cidades conhecidas pelo agronegócio, como Sinop, Sorriso e Lucas do Rio Verde foram planejadas e oferecem qualidade de vida a todos seus munícipes. Temos, portanto, exemplos de como fazer o desenvolvimento racional dentro da Amazônia Legal.
O nióbio alardeado pelo atual governo na região do Pico da Neblina traz o seguinte questionamento: como vai a produção em Minas Gerais, que tem jazidas para muitos anos (ou décadas) e todo um sistema de transporte pronto, necessitando apenas se modernizar? Minas Gerais tem toda uma malha rodoviária extensa e pavimentada, precisando apenas de manutenção. Tem quilômetros e quilômetros de linhas férreas. Numa delas, inclusive, anos atrás recebeu um projeto de eletrificação para o sistema de carga, que não saiu do papel e não se tocou mais no assunto. Tais fatos alimentam muitas perguntas sem respostas, inclusive perguntas que os brasileiros fizeram nesta última década, diante dos trágicos acidentes nas barragens do estado. Minas é uma locomotiva de produção mineral, a todo vapor. Mas como está toda essa estrutura? Onde esteve a fiscalização em todos esses anos de movimentação mineral de milhões, bilhões? Não seria o caso de levar um olhar atento ao Estado de Minas Gerais e aprimorar o que lá existe e vem funcionando… aos trancos e barrancos?
A Amazônia, há décadas, e principalmente durante os anos de regime militar, funcionou como palanque político para demonstração de “bravura”. Desbravar a floresta virgem causou ao mundo furor – no sentido de excitação, delírio, admiração. A abertura das extensas rodovias, inclusive a BR 319, que inclusive recebeu asfalto, repercutiu mundialmente. Era o Norte integrado ao Sul. E até a Perimetral Norte aceleraram as obras, para que passasse a existir pelo menos ali no Estado de Roraima. O objetivo era fazer com que ela fornecesse caminho rodoviário para o Amapá e rasgasse o Amazonas de Norte a Oeste, passando justamente pelas regiões mais desconhecidas, inexploradas, do Pico da Neblina e o Vale do Javari. E o anúncio e a ansiedade pelo nióbio nessa região do Estado do Amazonas inevitavelmente levará ao clamor para tirar da gaveta o projeto da Perimetral Norte até São Gabriel da Cachoeira, maior município da região do Pico da Neblina e inclusive referência militar na região.
Imaginar a abertura da Perimetral é como imaginar a abertura da famosa Rodovia Panamericana entre a Colômbia e o Panamá. Ali, no sul do Panamá, por sinal um país “filhote” dos EUA, com um dos melhores padrões de vida da América Central, a floresta permanece intacta e uma importante rodovia que une as três Américas é interrompida pela chamada Floresta de Darien. Consciência ambiental? Hum… nem tanto. Questões, digamos, estratégicas. Todo mundo sabe como são conhecidos os países andinos da América do Sul. E na América Central, os países entre Nicarágua e México. A interrupção da rodovia por uma floresta não resolve mas dificulta. Dificulta o tráfego, digamos, incômodo de certos produtos… o que no Grande Norte de nosso país flui numa boa mesmo sem rodovias. O “comércio” vai via aérea e fluvial. Vias de transporte que estados e governo federal deveriam ampliar a tecnologia de vigilância… afinal, como ficou o velho projeto do SIVAM?
Se nas rotas aéreas e fluviais já existentes não se consegue monitorar e oferecer segurança a turistas e aos próprios moradores desses municípios amazônicos, que dependem da aviação e da navegação, como garantir que o asfalto e abertura de novas rodovias não causem o estrago que causou a Transamazônica e a BR 364 em Rondônia?
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A modernização, sobretudo do transporte fluvial, não apenas garantiria a segurança dos moradores da região como evitaria o transporte clandestino e criminoso e poderia alicerçar o transporte de carga, incluindo aí o mineral, devidamente autorizado pelos órgãos ambientais, seguindo rigorosamente as normas. Dessa forma o nióbio naquela região poderia ter sua extração? Talvez. Como isso seria feito sem prejudicar a fauna e flora local? O Rio Negro, que passa por São Gabriel da Cachoeira, constitui uma via econômica de transporte e que não causa prejuízo ambiental. Mas permanece a pergunta: se temos o nióbio em Minas, para que o nióbio do Amazonas? Numa época em que a saúde mundial está em jogo, em meio a tantas dúvidas com as doenças surgidas e reaparecidas, não seria ideal pesquisar a Amazônia em sua flora? O próprio Butantan tem interesse em conhecer e descobrir fórmulas escondidas na floresta. Plantas desconhecidas. A Amazônia é um laboratório desconhecido, onde muitos estrangeiros ali penetraram e patentearam produtos, diante da passividade do brasileiro!
Nossas riquezas não precisam ameaçar a Amazônia para serem utilizadas em casa. Por nossos profissionais, nosso povo. Basta que nossos políticos deixem a demagogia, o velho sentimento ufanista, agora usado como ostentação na internet. Não podemos permitir o ressurgimento de velhos erros, mascarados de patriotismo e progresso para o país. A casa precisa ser arrumada onde já existe toda uma estrutura de produção, como os estados de Minas Gerais, Goiás, Tocantins e Mato Grosso. A Amazônia…olhem para o laboratório imenso de sua flora e os caminhos naturais já existentes, inclusive o fluvial. Não precisa nem ter muito estudo técnico para enxergar o óbvio.

GEORGE ANDRÉ SAVY
Técnico em Administração e Meio Ambiente, escritor, articulista e palestrante. Desenvolve atividades literárias e exposições sobre transporte coletivo, área que pesquisa desde o final da década de 70.
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