Como cego me perguntam do que sinto mais falta. Difícil responder. Acredito que seja ausência da troca de olhares. Essa forma de comunicação sutil e profunda me escapa. Claro que compenso isso de outras formas. Quando interajo com crianças pequenas, a falta da comunicação visual é marcante. Não correspondo aos seus olhares e a ausência de palavras, de vocabulário, torna a interação bastante falha. Mas, os pequenos ao sentirem que há algo diferente em mim, questionam sem pudores:
-Por que seu olho é assim?
Ignorando que posso localizá-los pela voz, perguntam inocentes:
-Onde é que eu estou?
É uma delícia..
Com as crianças maiores a relação se modifica…
Há alguns dias, recebemos um casal de amigos com o filho de 12 anos. Assim que chegaram fui apresentar os cachorros ao garoto. Ele me chamou de ‘mano’.
Já na mesa, enquanto petiscávamos, minha relação com ele fluiu de forma quase mágica. Logo me pediu permissão para me chamar de avô. Confesso que levei um choque. Fiquem sem palavras(risos). Igual quando me chamaram de tio pela primeira vez há muitos anos. Um gole de vinho amenizou o impacto…
Brincamos… Houve luta. Ele ria e punha a mão na minha cabeça me chamando de careca. Se aninhou em meus braços… Conversamos e interagimos a noite toda.
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Em dado momento, perguntou sobre minha cegueira. Contei detalhes do meu nascimento e da cirurgia. Os pais participavam da conversa. O inteligente garoto perguntava com profundidade. Quis saber:
-Se colocar um olho meu no vô, daria certo?
Respondi que não seria possível e tentei explicar da melhor forma possível.
A mãe pergunta:
-Você daria um olho para o avô?
E com naturalidade, o garoto respondeu que sim, que daria. A mesma naturalidade que teve desde o momento que me conheceu. Além do primeiro neto ganhei um novo amigo!(Foto: Tima Miroshnichenko/Pexels)

JOSÉ AUGUSTO DE OLIVEIRA
Formado em Psicologia na Universidade São Francisco (USF) e Psicanálise pelo IPCAMP(Instituto de Psicanálise de Campinas). Atua no AMI (Ambulatório de Moléstias Infecciosas da Prefeitura de Jundiaí) e em consultório particular. É deficiente visual. WhattsApp: (11) 982190402.
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