As PIMENTAS e o pai

Muitos anos atrás, fizemos uma viagem ao Pantanal eu, meu pai e meu irmão. Cerca de 17 horas, de carro, numa paisagem muito bonita, mas um pouco monótona. Não se via nada além de terras. Terras e mais terras. Tudo sem grandes novidades – a não ser na volta. Retornando de Corumbá, avistamos um vilarejo ornamentado com luzinhas redondas e barracas na beira da estrada. O nome da cidade não lembro. Porém, sei que lá se vendiam pimentas, uma mais forte que a outra!

A certa altura, entretanto, demo-nos conta de que aquele lugar não existia na viagem de ida. E isso não fazia sentido, obviamente. Seria bom confirmar. Paramos em uma sorveteira, pedimos um sorvete e puxamos conversa:

– São Paulo está longe ainda?

– São Paulo?

– É, São Paulo… estamos indo pra lá.

O vendedor esboçou um leve sorriso e falou:

– Não, vocês não estão indo pra lá.

– Não?

– Não, essa estrada vai para o Paraná!

Meu pai, normalmente sorridente, mudou o semblante. Ficou bravo quando descobriu que havíamos passado 90 quilômetros da entrada correta. Andamos 90 quilômetros na direção errada e teríamos que voltar outros 90 para recomeçar o caminho.

Nessa volta, não me lembro de conversamos sobre nada de muito relevante. Meu pai estava tão bravo que instintivamente optamos pelo silêncio. Mas foi um momento bom. Muito bom. Tivéssemos acertado o caminho, não conheceria aquelas pimentas e as próximas horas com o pai não teriam existido. Hoje sei como os minutos são preciosos.

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Passaram-se os anos e o pai faleceu. Mas me lembro das pimentas, das luzinhas redondas e das barracas na beira da estrada. E de meu pai, bravo não sei se conosco ou com ele mesmo.

Atualmente, com Waze e afins, dificilmente teria tido aquele momento. E aí vejo que talvez devêssemos acertar um pouco menos. O que conforta, contudo, é que até com o Waze eu me perco – e quem sabe, um dia, perdendo-me, não encontre as pimentas, as luzinhas redondas, as barracas e o pai.

FILIPE LEVADA

É juiz de Direito

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