Durante muito tempo, minha resposta padrão foi sempre “sim”. Independentemente da solicitação ou circunstância, eu me encontrava constantemente dizendo sim, até mesmo para aqueles que não mereciam. Era como se eu estivesse programado para agradar, sem considerar o impacto que isso poderia ter em minha própria vida. No entanto, uma série de experiências me levou a uma profunda reflexão, e agora, para os ingratos, minha resposta é um firme e decidido não. A transformação do “sim” em “não” tornou-se, com o tempo, numa jornada de autoconhecimento e autoestima.
Tal jornada, a transformação para chegar a esse ponto, não foi fácil. A princípio, minha predisposição para dizer sim era motivada pelo desejo de ser aceito e amado por todos ao meu redor. Eu temia decepcionar os outros e, portanto, acabava sacrificando minhas próprias necessidades e limites em prol do bem-estar alheio. No entanto, com o tempo, percebi que esse padrão de comportamento não apenas me deixava exausto e ressentido, mas também permitia que pessoas ingratas se aproveitassem da minha maneira de ser.
Foi um processo de autodescoberta doloroso, mas libertador. Comecei a questionar por que me sentia obrigado a dizer sim, mesmo quando isso ia contra minha intuição e senso de justiça. Gradualmente, percebi que minha incapacidade de dizer não estava enraizada em questões de autoestima e autovalorização. Eu temia que minha recusa fosse interpretada como egoísmo ou falta de consideração, quando na verdade era um ato de autopreservação e autorrespeito.
A virada de jogo, a transformação, ocorreu quando finalmente reconheci o poder do não. Ao estabelecer limites claros e assertivos, descobri uma sensação de empoderamento que há muito tempo estava ausente em minha vida. Não se tratava mais de evitar conflitos ou ganhar aprovação. Era uma questão de defender meus próprios direitos e dignidade. Descobri que, ao dizer não para os ingratos e desagradáveis impostores, estava reafirmando meu próprio valor e ensinando aos outros como deveriam me tratar, sem fazer rodeios nem tentar mostrar que o defeito não era meu: apenas mudei.
Claro, a transição não foi isenta de desafios. Enfrentei resistência e até mesmo críticas daqueles que estavam acostumados a me ver como um poço sem fundo de concessões. No entanto, aprendi a permanecer firme em minha decisão, consciente de que meu bem-estar não podia ser sacrificado em nome da gratidão alheia.
Hoje, meu não é uma declaração de autoafirmação e autenticidade. Não é mais uma negação passiva ou uma desculpa para evitar conflitos (aos quais não me furto de causar). É uma afirmação poderosa do meu próprio valor e dignidade como ser humano: alguém que pensa e sente. E para aqueles que esperam que eu continue a dizer sim, mesmo quando não merecem, minha resposta é clara e inequívoca: não.
“Não” é uma palavra simples em sua composição, mas muitas vezes difícil de ser proferida. Num mundo onde a cultura do sim é amplamente celebrada, a arte de dizer não é frequentemente subestimada. No entanto, é preciso reconhecer a relevância e a necessidade dessa pequena, porém poderosa, negação em diversos aspectos da vida contemporânea, indicando que o Mundo de Alice é uma fábula e que todos podemos discordar do Coelho de Cartolas.
Primeiramente, para a transformação ocorrer é essencial compreender que dizer não, não implica apenas em negar favores ou solicitações. É, sobretudo, um ato de autopreservação e autenticidade. Quando nos comprometemos com mais do que podemos suportar, seja em termos de trabalho, relacionamentos ou outras responsabilidades quaisquer, corremos o risco de sobrecarregar nossas mentes e corpos. A capacidade de dizer não nos protege contra o esgotamento físico e emocional, permitindo-nos manter o equilíbrio necessário para uma vida saudável e gratificante.
Além disso, dizer não é fundamental para estabelecer e manter limites saudáveis em nossos relacionamentos interpessoais. Muitas vezes, por medo de decepcionar os outros ou de sermos mal interpretados, acabamos cedendo às demandas que vão além de nossos limites pessoais. No entanto, ao fazê-lo, comprometemos nossa integridade e autoestima. A capacidade de dizer não com clareza e firmeza fortalece nossas relações, pois estabelece expectativas realistas e promove um ambiente de respeito mútuo.
Além disso, é importante reconhecer que dizer não pode ser um ato de resistência contra injustiças, mentiras, autoritarismo e abusos. Em muitos contextos sociais e profissionais, somos confrontados com situações que desafiam nossos valores e princípios éticos, machucando-nos demais. Ferem nossa alma e agridem nossa integridade. Nesses momentos, dizer não não apenas preserva nossa integridade moral, mas também envia uma mensagem poderosa de que não toleraremos comportamentos prejudiciais, autoritários ou opressivos. Tão pouco falas mansas encobrindo ações degradantes e fofocas.
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No entanto, apesar de sua importância, dizer não continua a ser um desafio para muitos de nós. A pressão social para sermos agradáveis e complacentes, juntamente com o medo da rejeição e da crítica, frequentemente nos impede de expressar nossos verdadeiros sentimentos e necessidades. Torna-se crucial reconhecer que dizer não é um ato de coragem e autorrespeito, não de egoísmo ou insensibilidade.
Em suma, a habilidade de dizer não é uma ferramenta essencial para o bem-estar emocional, a manutenção de relacionamentos saudáveis e a defesa de nossos valores e princípios. Devemos fazer esta transformação tão necessária, aprender a abraçar essa habilidade, reconhecendo que dizer não não é apenas um direito, mas também uma responsabilidade que temos conosco mesmos e com os outros. Somente assim poderemos viver vidas autênticas e gratificantes, baseadas na verdade e no respeito mútuo, que tem como ação primeira o respeito a si mesmo.(Foto: Monstera Production/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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