CONVIVER COM A VERDADE

verdade

Não é difícil encontrar a verdade porque ela surge do nada, de repente. O mais difícil, entretanto, é depois de encontrá-la: não tentar fugir dela e enfrentar a proposta encontrada é que se torna difícil. Numa analogia bem popularesca, fica difícil saber se tomamos banho e jogamos somente a água fora ou se jogamos a água com o bebê. Talvez o difícil seja conviver com a verdade. Isso sim é tarefa de gigante.

Interessante que quando nos colocamos analisando fatos, somos levados à situações grotescas em que selecionamos fatos que se classificam como “meias verdades”; desta forma, são também “meias mentiras”. Ou são mentiras porque não se tem verdades pela metade. Difícil quando dados comprovados são excluídos por não serem aceitos como verdadeiros: ilusões mirabolantes e falsas.

Adultos, idosos, adolescentes e crianças se misturam entre aqueles que usam da meia verdade para montar sua trama; tal qual um diretor de teatro, que elabora sua peça artística, estes vão vivendo de encenações em encenações, ludibriando uns e outros, senão todos e a si mesmos, construindo um mundo imaginário e mentiroso, na tentativa de ser feliz.

Por que tentativa? Porque o edifício está sendo erguido num terreno arenoso e não terá sustentação, ruindo ao mais leve barulho ou sopro de brisas. A fragilidade não se estabelece e não há edificação segura que se firme em propostas frágeis; nas relações humanas esse exemplo é muito real e bem explorado, diante do mentiroso.

Impossível dizer que alguém nunca falhou ou mentiu. Impossível acreditar que uma mentirinha aqui e ali não foi solta num grupo ou numa relação afetiva. Mas construir um enredo sem que se observe a verdade como foco e não se aplique a premissa de ser transparente não parece ser uma relação madura e bem alicerçada.

Há rumores de que crianças e adolescentes, até os 15 ou 16 anos, são mais fáceis de mentir, por estarem estruturando sua personalidade e buscando se firmar na sociedade. Pode ser, mas mentir é um vacilo. Porém, adultos mentem muito e se calçam com suas estruturas mentais para parecerem verdadeiros e transparentes, mesmo que sejam usuários contumazes de mentiras pequenas, tolas e outras já melhor elaboradas. São mais hábeis e fingir e em enganar, coisas que fazem com facilidade, sem remorso ou dor.

Na Psicologia, o ideal é levar a refletir sobre o ato de mentir. O que me leva a mentir? Por que preciso mentir? O que espero lucrar com minha mentira? A quem pretendo iludir? Num princípio, em que as coisas possam se alteradas e se consiga retornar aos princípios de propostas verdadeiras, sem deslizes.

Mais preocupante ainda é, e quase sempre acontece de ser, quando a pessoa acredita em sua própria mentira: as fantasias vão se ampliando e crescendo como uma bola de neve e, então, já não se sabe mais o que é realidade, mentira, fantasia ou alucinação. Não é um fenômeno raro de acontecer e cabem recursos terapêuticos para tal situação, desde que o autor destas ditas “verdades” (ou mentiras ou, ainda, fantasias) tenha a intenção de mudar seu comportamento.

A verdade, de fato, é difícil, quando ela atinge a pessoa com força de tsunami. Quando se trata de uma verdade bombástica, do tipo das revelações que ninguém gostaria de ter ou que nenhum ser vivo mereça saber; neste caso, o sofrimento é grande e a atitude a ser tomada, precisa ser cirúrgica, pontual e direta. Conviver com esta verdade é algo difícil de conseguir. Ela desestrutura a pessoa que a recebe e chega a causar dores psíquicas, traumas e demais distúrbios.

As meias verdades têm o mesmo efeito, uma vez que são meias mentiras, igualmente. Um ligeiro engano, um ligeiro desvio, um ligeiro escorregão que pode comprometer a seriedade de um relacionamento humano sério, porém só compromete se acontecer com pessoas sérias: infantilóides e pessoas com desvio de caráter não se abalam por situações que envolvam discussões éticas e enganosas como estas. Mantêm a fleuma e seguem o jogo, olhando à distância e continuando a enganar a quantos conseguir.

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Interessante e intenso pensar na Verdade. Nessa Verdade do dia a dia, na Verdade filosófica, sociológica, psicológica, emocional, financeira, enfim, todas são da mesma família, da mesma raiz: são Verdades. Com diversos tons, nuances diferentes, sons diferentes, texturas diferentes, mas Verdades; não existem meias Verdades ainda que sejam doloridas: ou a temos por inteiro ou não temos verdade. Isso parece difícil de ser assimilado, mas é a condição dela: ser una e indivisível. Aí está o fascínio daquele que é Verdadeiro. O encanto ou o temor, pois muitos fogem desta proposta de integralidade.

Mas, como dito anteriormente, o difícil é conviver com ela. Ser ela, mantê-la. Defendê-la. Conviver requer doses de sabedoria e coragem. Prefiro a Verdade, ainda que me doa à alma. Não abro mão desta dor e alegria de ser o que é, ser o que sou.(Ilustração: ‘Pinóquio’, Disney, 1940)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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