E lá vamos nós para mais uma crônica. As ausências formam motivadas por muita dor no quadril, que breve será repaginado e tudo voltará ao princípio. Mas não foram semanas de folga, muito ao contrário, intensa correria tomou conta de meus dias. Afazeres da UNESP, fechamento de tese e qualificações de orientandas, capítulos de livros em desenvolvimento, fisioterapia, terapia, atendimento clínico, zelos com minha devoção, mudança de casa, acompanhamento de montagem de móveis. Muita coisa em tão pouco tempo, mas pronto pra Vida. É hora de explicar o título deste artigo: Eu me Preocupo com Você. Você é Importante para Mim.
A representação do mês de prevenção do suicídio é a cor amarela e tem lá seu motivo: o casal Dale e Darlene Emme são os responsáveis por isso, pela “yellowribbon”, a fita amarela. Em 1994 o filho do casal, Mike Emme, restaurou um Mustang 68 e o pintou de amarelo; infelizmente os amigos e mais parentes de Mike não perceberam os sinais de alerta do jovem e ele faleceu. Em seu funeral, uma cesta de cartões com fitas amarelas estava disponível para quem quisesse pegá-los. Todos cartões confeccionados pelos amigos de Mike tinham uma única mensagem: Se você precisar, peça ajuda.
Tais cartões coma fita amarela se espalharam pelos Estados Unidos e se reproduziram, diante das situações de alerta e de necessidade de ajuda, criando uma corrente nacional, trazendo em seu núcleo aqueles que necessitavam de ajuda, de escuta, de receber um olhar. Assim, a fita amarela ganha força e orna-se símbolo do programa, incentivando àqueles que têm pensamentos suicidas a buscar ajuda.
Já em 2003, a OMS instituiu o dia 10 de setembro para ser o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio, e a cor amarela, do Mustang de Mike, foi a cor escolhida para representar esse sentimento. É alarmante o fato de 804 mil suicídios ocorrerem por ano, no Mundo, o que representa uma morte a cada quarenta segundos. Pior: a cada 10 suicídios temos de 40 a 60 tentativas.
Precisamos nos convencer de que não se trata de drama, nem de frescura, nem falta de religião. Menos ainda a ideia de chamar a atenção… é a necessidade do ouvido, do acolhimento, a compreensão que se inicia com os amigos e familiares, mas que vai até a ajuda profissional, visto a seriedade da questão. O falar terapêutico exige a escuta qualificada que apenas um profissional pode oferecer.
Na correria do mundo caótico onde vivemos e nos afetos descolados que somos afeitos, é preciso um olhar sério e comprometido com aqueles que apresentam um comportamento mais diferenciado e mais aflitivo. Ou ainda com aqueles que não demonstram tamanha necessidade ou carência, mas que sinalize qualquer comportamento desviante; é preciso desenvolvermos olhares astutos, acolhedores e atentos para com nossos amigos.
O índice de suicídio em nosso país é alto e não atinge a uma faixa etária específica, nem a um gênero: temos uma gama de diferentes indivíduos que, por vários e íntimos motivos tentam contra sua própria Vida. As razões são as mais variadas e todas elas muito sérias, do ponto de vista do fragilizado, o que significa dizer que todos têm motivos por demais suficientes para atentar contra sua própria vida.
Como já analisei, em 2017, no mesmo período, surpreende-nos o grande números de idosos que procuram por esta alternativa, diante da impossível e inexplicável percepção de pertença à uma sociedade cada vez mais jovem e desrespeitosa. Na outra ponta da linha temos as ocorrências dos suicídios infantis: também inexplicáveis e apavorantes, pelo fato de estarmos diante daqueles que iniciam seus caminhos, não vislumbrando sucesso ou preenchimento do vazio existencial que já toma suas vidas.
Já explicitamos a necessidade de um profissional especializado para trabalhar com estes indivíduos mais críticos e sensíveis dos grupamentos sociais, mas sempre precisaremos dos olhos e ouvidos dos familiares e amigos próximos para que toda e qualquer ação no sentido de ajudar e acolher aquela dor psíquica e aquele vazio existencial seja sempre coletiva e tenha sempre a presença de pessoas significativas para a pessoa que busca dar fim em sua Vida.
Não são apenas falsos objetivos nem grandes desilusões que se apresentam como fortes motivadores para o suicídio. Muitas vezes o acumulo de insucessos ou de negativas e a impossibilidade de perceber o sucesso, à distância, transforma-se no estopim para pensamentos destrutivos. Até mesmo a facilidade exagerada na obtenção de coisas difíceis pode criar a sensação de falta de emoções na trajetória da Vida, deixando-a sem sentido e sem prazer.
Estas possibilidades apontam para um espaço que prediz ser importante que tudo tenha seu devido valor: nem mais, nem menos. O devido valor para que uma Vida possa se empenhar em sua conquista. Desta forma, o olhar atento e cuidadoso da família e dos amigos próximos atende pelo nome de sentinela. Sentinela daquele que não encontra razão em sua existência. E, de modo geral, o vazio existencial leva à tentativas de grande periculosidade, incluindo o suicídio.
Em países muito desenvolvidos temos uma alta taxa de mortalidade causada pelo suicídio. Lá, as explicações das causas soam estranhas, visto o fato de ser uma sociedade muito desenvolvida, com grande poder aquisitivo; a inexistência de dificuldades gera o vazio que reverbera pela mente em busca de mais, de aventuras diferentes, de outras propostas. Daí…
Não tão simplesmente, mas em ordem inversa, acontece com a população de um país subdesenvolvido: a dificuldade suprema e a inexistência de algo promissor passa a ser motivo suficiente para atentar contra a existência. Mais uma vez o vazio existencial se faz presente e o final é o mesmo.
O que dizer do preenchimento deste vazio com propostas religiosas, recreativas e afetivas. O que dizer da possibilidade de iniciar um novo curso ou participar de um movimento sociocultural. Caso tenhamos um preenchimento sadio daquele vazio que corroía a alma, estaremos diante de alguém que fez uma boa escolha e se protegeu psiquicamente do caos operante.
Entretanto, a ajuda de um profissional especializado pode modelar estas escolhas acima citadas e pode fortalecer ideias de vínculos mais fortes e sadios que, adotados, passam a ser uma amarra ao aqui e ao agora, pleno de atividades e propostas que impulsionam a vida em novas direções, com novos problemas a serem resolvidos, com novas propostas de desenvolvimento. Isto requer escuta, olhar e fala equilibrada e bem dirigida. O foco será primordial para assegurar sucesso na intervenção profissional.
Quantos não se sabotam apenas para sentir o prazer do insucesso e da perda! Mas preferimos não pensar nisso e partir para uma outra aventura em que somos o joguete de nós mesmos. Somos os garotos e garotas interrompidos por nós mesmos, brincando com e contra nossos próprios sentimentos, numa batalha insana e destrutiva.
Verdadeiramente todos temos ao menos um amigo que mereça uma atenção melhor dirigida. Saibamos ser ouvidos que coletem detalhes e tenhamos lucidez e velocidade na ação. Uma Vida Humana é algo nobre demais para ser tratada com tanta insensibilidade.
Alguns olhares e alguns silêncios falam mais do que lágrimas e gritos pedindo socorro: são apenas outra forma de gritar contra a dor interna. Isto é suficiente para que partamos em direção de uma ajuda firme e bem dirigida; uma ajuda com formação adequada e pertinente para tal propósito: sem afetação e sem perda de tempo, porque nestes casos a hora é agora; aquele que grita por ajuda já o faz na sua 25ª hora. Já sofre em excesso.
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Nenhum de nós é forte demais a ponto de nunca termos sentido este maldito vazio existencial. Porém, por nossas resiliências, conseguimos superar o obstáculo e aquele momento passa a ser uma referência de um tempo de instabilidade emocional superada. Já, outros de nós não têm a mesma reserva de resiliência e não articulam com tanta facilidade; este é o momento e a pessoa certa a ser acolhida.
Que o Setembro Amarelo seja apenas uma sinalização de um estado de vigília que devamos exercer durante todo o ano e por toda nossa Vida. Outras Vidas podem estar dependendo de nós.
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.