
Morando há quase oito meses nos Estados Unidos, a fisioterapeuta Wilna Kecia Lima Matos Rocco, 42 anos, diz que não tem vergonha de dizer que é brasileira. Pelo contrário. Ela sente orgulho de suas origens e é grata pela oportunidade que está tendo. Wilna morou seis anos em Jundiaí, diz que é a cidade que mais gostou e um dia pretende voltar. A entrevista:
Onde você nasceu?Sou de Fortaleza. Morei seis anos em Jundiaí. Sou casada com um descendente de italianos. Tenho uma filha de 10 anos que é brasileira…
Onde morou e estudou em Jundiaí? Trabalhou por aqui?
Em Jundiaí morava no bairro Jardim da Fonte, na rua Robartino Martho, próximo à avenida Frederico Ozanan e a rua Dino. Trabalhei em Jundiaí como coordenadora de Fisioterapia no Hospital Santa Elisa, como Fisioterapeuta no Hospital Intermédica (Paulo Sacramento) e como fisioterapeuta em atendimentos domiciliares particulares. Antes, mesmo morando em Jundiaí, trabalhava também como fisioterapeuta no Hospital Israelita Albert Einstein onde viajava de uma cidade a outra para dar os plantões. Trabalhei lá por mais de 10 anos.
Ainda tem família na cidade?Não! Minha família está toda no Nordeste e a do meu marido na Baixada Santista.
Quantas vezes vem visitá-los no ano?
É o meu primeiro ano nos EUA mas quando saí do Brasil outras duas vezes para morar na Espanha e Itália visitava meus parentes pelo menos uma vez por ano. Pretendo ir ao Brasil em junho de 2019 para visitá-los.
O que mais sente falta daqui?Uma ou mais coisas? (risos). Sinto falta de muitas coisas, mas principalmente da culinária, das festas, da alegria e calor humano das pessoas, dos amigos, da família que criamos aí, do clima, e do quanto às pessoas são mais acessíveis, disponíveis e abertas umas com as outras.
E o que menos sente falta de Jundiaí?
Hum… que pergunta difícil! Acho que apenas do nosso custo de vida que era muito alto. Pagar escola de filho, doméstica, plano de saúde, supermercado caro e muitos boletos mais(risos).
Onde mora hoje?Na cidade de Pullman, estado de Washington, no Noroeste dos EUA, fronteira com o Canadá.
Desde quando?
Desde maio deste ano de 2018.
Por que decidiu ir para o exterior?
Devido o trabalho do meu marido. Ele trabalha como Engenheiro Eletricista em uma empresa multinacional Americana (Schweitzer Engineer Laboratories- SEL) e ficava locado em uma filial em Campinas, então recebeu proposta para ficar um tempo na matriz que fica aqui na cidade de Pullman.
O que faz aí?Aqui eu estou inicialmente estudando Língua Inglesa na faculdade (Spokane community College), porque sem dominar a língua é difícil conseguir bons trabalhos. Eu gostaria muito de tentar convalidar o meu diploma de Fisioterapeuta e poder ter uma experiência profissional aqui. É um processo longo, difícil e muito custoso mas não impossível. Quando morei na Espanha consegui bem rápido a convalidação mas aqui são outros trâmites. E não consegui ainda me inteirar de tudo que é necessário, mas quando dominar mais a língua seria um próximo passo a ser pensado.
Estou aguardando também uma resposta de uma oportunidade de trabalho voluntário no Hospital da cidade (Regency Pullman Hospital). Possivelmente iniciarei em fevereiro/2019.
Como é a sua rotina?
Minha rotina é dividida e entre os cuidados com a casa e com minha filha de 10 anos, minha aulas da faculdade que são de segunda à sexta pela manhã, aulas à tarde duas vezes na semana na biblioteca da cidade (grupo de conversação) e outras duas tardes com um professor- tutor particular -, o qual ensina o inglês e coisas práticas do dia a dia nos EUA que você precisa aprender para se virar, como compras, médico, dentista, leis da cidade, trânsito, normas da comunidade, enfim… Também faço exercícios físicos regulares de 4 a 5 vezes por semana, entre corrida, musculação, zumba e treino aeróbico. Aqui consegui cuidar bem mais da minha saúde pois tenho mais tempo para mim mesma. No Brasil trabalhava muito e mesmo com ajuda em casa não conseguia encaixar essas coisas na minha rotina. Na verdade, me faltava um pouco de rotina. E aqui como tenho hora certa para tudo, consigo cuidar da minha própria casa, da minha própria alimentação (pois sou eu quem cozinha) e ter uma frequência correta de exercícios físicos, lazer,tempo para família, estudos e descanso. Tudo sendo bem perto e a cidade pequena também facilita muito. Conseguimos ter bastante lazer, desfrutamos de ótimos restaurantes, bares e bons vinhos. Há varias cidades próximas maiores onde visitamos pelo menos uma vez por semana para compras e lazer.
O que mais estranhou?
Para mim um pouco de tudo, mas principalmente a língua no início. Estudo inglês desde criança mas ao chegar aqui percebi que o inglês dos americanos é bem diferente do que estudamos em cursos no Brasil. A pronúncia é bem difícil de entender, as gírias locais, a rapidez com eles falam e a dificuldade que eles têm de nos entender assim como o pouco esforço que eles despendem para entender nossa pronúncia. O clima é bem diferente mas as roupas, casas e todos os ambientes são muito preparados para podermos superar a diferença. E o temperamento das pessoas com certeza é bem diferente do dos brasileiros. Eles são mais frios, distantes, menos acessíveis, mais formais e tradicionais. Mas quando você ganha mais proximidade e intimidade com eles essa diferença não se torna muito visível, são também muito prestativos, dóceis e frágeis como todos. Eu percebo que pessoas são muito carentes aqui, talvez pelo fato de não serem tão abertas para novas amizades e relacionamentos mas ao se tornarem mais próximos, mudam muito seu temperamento podendo se tornar grandes amigos.
MAIS JUNDIAIENSES PELO MUNDO
Não desta vez. Quando deixe o Brasil pela primeira vez para morar com meu marido na Espanha, o choque foi maior. Pensei em desistir varias vezes, mas superei. Depois veio a Itália que foi mais fácil por não ser a primeira grande mudança. E agora vindo para os EUA já cheguei com outra visão, bem focada nos nossos objetivos familiares, profissionais e estudantis. Conversamos por quatro anos em família para tomarmos esta decisão de passar um tempo aqui. Por nossa filha, por nós, pela oportunidade de aprender mais uma língua, pela experiência profissional em outro país, pela grande oportunidade de agregarmos outra cultura em nossas vidas e podermos morar num país de primeiro mundo onde existe outra estrutura socioeconômica, política, cultural, educação e saúde.
As pessoas levam os brasileiros a sério?
Moro numa cidade que cresceu em torno da empresa Schweitzer (a qual citei anteriormente), que recebe constantemente funcionários estrangeiros, e da Universidade do Estado de Washington (WSU), que também recebe estudantes de todo lugar do mundo. Portanto eles estão acostumados a receber e conviver com imigrantes estrangeiros. Eles tratam os brasileiros de forma normal, sem preconceitos e com muito respeito. Não questionam sobre nosso país, nossa política, nossa situação econômica, e outros problemas os quais ficam sabendo pelos jornais. Pelo contrário, quando conhecem mais uma família de brasileiros perguntam como tivemos coragem de deixar um país tão bonito e de uma clima tão agradável como o nosso para vir morar aqui. Ressaltando que estou colocando aqui minha opinião, baseada em como fui e sou recebida e tratada aqui, pois sei que pode mudar muito essa concepção e opinião de um estado para o outro e também de uma pessoa para outra. Isso é muito pessoal.

Em algum momento sentiu vergonha de ser brasileiro?
Vergonha? Em nenhum momento. Orgulho sim, bastante. Sinto uma honra enorme em poder falar sou brasileira aonde vou, que vim de um país que tem sim diversos problemas, mas também tem uma imensurável lista de qualidades. Sou muito grata de tudo que aprendi e conquistei no meu país. Um país onde mesmo passando por dificuldades tem uma riqueza cultural enorme, belezas naturais incríveis, um clima privilegiado e pessoas que não desistem frente a nenhuma dificuldade. São guerreiras, alegres, festeiras, educadas, acessíveis e têm um amor imenso para dar. (Na foto acima, Wilna e a filha, no Parque da Cidade, em Jundiaí)
Faz comparações entre Jundiaí e seu atual endereço?
Sim, impossível não comparar. Mas são comparações entre países e não especificamente com a cidade de Jundiaí. Porque das cidades brasileiras onde morei (e não foram poucas, diga-se de passagem) Jundiaí foi a cidade que mais gostei de morar. Acho que é uma cidade pequena mas com uma estrutura de cidade grande, um clima excepcional, um trânsito que ainda não se tornou um problema, educação e qualidades de vida que não se da para reclamar, entre outras qualidades. Mas comparando o cenário atual do Brasil nos quesitos economia, política, saúde, educação…percebemos a gritante diferença. Aqui muitos serviços são públicos, gratuitos e funcionam impecavelmente bem, diferente do nosso país. As crianças têm acesso a educação gratuita de altíssima qualidade, a saúde é muito avançada e gratuita dependendo do quanto se ganha, a economia é estável, o poder aquisitivo das pessoas não é tão discrepante, fazendo com que todos tenham acesso à coisas boas igualmente, independente da profissão, raça, cor e classe social.
Aliás, chega a dizer que é de Jundiaí?
Sim! Mas acabo tendo que falar na maioria das vezes que venho de uma cidade ao lado de São Paulo, porque eles só conhecem as cidades maiores como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília por exemplo. E eles sempre se perguntam porque vim parar aqui vindo de uma cidade tão grande e tão boa.
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O que mais gosta e o que menos gosta da cidade onde vive hoje?Um ponto muito positivo para mim é saber que as cidades dos Estados Unidos funcionam todas de forma praticamente igual no que se refere à educação, saúde e economia. Até fisicamente elas são semelhantes. Além do mais, estou em uma cidade pequena que não chega a 40 mil habitantes, então a qualidade de vida é fantástica, não existe trânsito, as pessoas são muito calmas, não existe correria nem estresse, e a falta de violência, roubo e criminalidade é o que mais me chama atenção. As crianças podem ir andando para escola, para os parques e outros lugares sozinhas, independente da idade e os pais ficam tranquilos por confiarem que nada de mal irá lhes ocorrer. Elas não costumam ter celulares até entrar na middle school (aproximadamente 11 ou 12 anos de idade), então podem aproveitar muito a infância como fazíamos antigamente, enfim…podem ser realmente crianças. Podemos deixar casas e carros abertos ou mesmo esquecer objetos pessoais de valor na rua ou locais públicos que as pessoas não mexem. Se você voltar uma semana depois, estará lá no mesmo local. O senso de voluntariado aqui também é muito presente, todas as pessoas se voluntariam para fazer algo em prol da sua comunidade, sua cidade, sua escola, suas praças e parques, sua igreja enfim… desde crianças até adultos. Então por isso tudo funciona, com uma pequena ajuda de cada um! Muitos serviços aqui, inclusive públicos, contam com a ajuda de voluntários e não só de funcionários que recebem para tal. Então quando comparo isso com o Brasil é muito triste infelizmente. Porque nós brasileiros (me incluo também) temos a mania de reclamar de tudo que não funciona bem no nosso país, mas não fazemos nada para contribuir para que melhore. Nunca achamos que é de responsabilidade nossa também. Então por isso tudo continua como estava e nunca muda. Pontos negativos… Para mim aqui é apenas o árduo inverno, pois não estou muito longe do Alasca nem do Canadá. Então costuma fazer bastante frio por aqui, atingindo muitas vezes temperaturas de 26 graus negativos, nevando por aproximadamente três meses do ano. Existe um alto índice de depressão e suicídio aqui relacionando com o clima, pois em quase 1/4 do ano as pessoas costumam fazer atividades apenas “indoor” (dentro de ambientes fechados), o sol aparece pouco tempo, apenas pela manhã. Os dias são muito curtos, a claridade indo até no máximo 16 horas. Então as pessoas sentem muita necessidade do sol e das atividades “outdoors” (ao ar livre), pois costumam aproveitar muito a natureza, as praias, os parques e esportes de aventuras.
Você acha que nós, brasileiros, conseguiremos um dia chegar ao nível do país onde vive atualmente? Se sim, como? Se não, por quê?É muito difícil pensar nisso com o cenário em que o Brasil vive hoje. Mas nunca devemos perder as esperanças. Prefiro pensar que podemos um dia nos igualar a um país de primeiro mundo ou chegar próximo a isso. Mas muitas coisas precisam mudar antes, não só os nossos governantes, a nossa economia, mas também a mente do povo brasileiro. Necessitamos urgente perder o hábito de só reclamar e achar que as coisas não podem mudar com pequenos atos que podem partir de nós mesmos, precisamos mudar a nossa cultura e educação em relação a muitas coisas, e não só atribuir o caos do país ao cenário político. A mudança tem que partir de nós mesmos, pensar mais no próximo, incondicionalmente, fazer a sua parte, voluntariar-se, ajudar a comunidade em que você vive, cuidar do nosso meio ambiente, não desperdiçar as nossas riquezas, não achar que o nosso voto nas eleições não pode fazer a diferença, não virar as costas pra uma situação de pobreza ou um crime praticado porque dentro da sua casa e família não há isso, porque a sua vida é privilegiada. Tentar ajudar, nem que seja com o mínimo esforço que você possa dispor.
Já encontrou jundiaienses por aí?Não. Muitos paulistas, mas ainda nenhum de Jundiaí.
Pretende voltar para Jundiaí?
Sim, pretendo. Não tenho data mas não imagino ficando muito tempo longe do meu país, trabalho e família. Viemos com o propósito inicial profissional de ficar por dois anos, mas é cedo pensar em data certa para voltar. Não sabemos o que o futuro e Deus nos reservam. Mas quando voltar pretendo sim ficar em Jundiaí, pois como falei foi uma cidade que me cativou muito e onde criei muitas raízes.
O que Jundiaí poderia ‘importar’ do seu atual endereço?
Acho que a tranquilidade das pessoas daqui. Aqui ninguém tem pressa para nada, não existe a palavra “stress” , não se ouve brigas no trânsito, não se vê grandes filas, não há insegurança nos olhos das pessoas, nem se ouve brigas entre pais e filhos na rua. Tudo flui tranquilamente… E era um pouco de tudo isso que eu estava precisando, pois sempre fui uma pessoa muito ansiosa e estressada no Brasil, além de muito feliz (sempre). Tenho certeza de que todos em Jundiaí se lembram de mim pelo meu sorriso sempre estampado no rosto, mesmo quando havia alguma dificuldade.
Ainda dirijo muito rápido e faço tudo correndo aqui, mesmo não havendo necessidade, mas a minha meta é desacelerar! Para concluir, tenho muita gratidão a Deus por ter me dado esta oportunidade!