Mercado de orgânicos nos EUA: quando os olhos e os CIFRÕES crescem

Imagina só: uma cadeia de produção de alimentos que rende bilhões de dólares ao ano, cifrões e mais cifrões movimentando um dos maiores mercados mundiais. Não alguns poucos bilhões não: estamos falando de quase meia centena. E mais: tendo como base frutas e hortaliças, sem uso de agrotóxicos, com uma massiva propaganda favorável, que enfatiza a saúde. Atrai ou não muita atenção? Estamos falando de uma briga bilionária travada entre produtores orgânicos nos Estados Unidos, de um lado, e produtores que usam o sistema de hidroponia e aquaponia, de outro. Semana passada esses últimos obtiveram a manutenção da permissão de usarem o selo de “orgânico” para seus produtos, e assim a permanência nesse apetitoso mercado.

Os dados ainda estão rolando: a votação foi apertada, oito votos a favor e sete contra da manutenção, realizada pelo Comitê Nacional de Padrões Orgânicos, que dita as regras sobre alimentos que podem ser chamados de orgânicos e como podem ser produzidos, órgão este que pertence ao Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, que dá lastro ao selo de orgânico (abaixo).

De um lado, indignação e desânimo dos produtores orgânicos, pela construção, há décadas, do respeito e aceitação de seus produtos pela população. No entanto, é mais que isso: trata-se do conceito do que é orgânico, que traz todo um universo de conservação do solo, dos microorganismos, do ambiente, dos recursos naturais e da saúde humana e do planeta, no seu sentido mais lato.

De outro, a inclusão de sistemas produtivos que usam insumos orgânicos, mas prescindem do principal: da terra, nela e para ela, agora no sentido de Terra, planeta, sua grande aliada.

Façamos um aparte: o que é hidroponia? Nesse sistema, as plantas são cultivadas por meio de uma solução aquosa de nutrientes, e não terão contato com a terra. Da mesma maneira, temos o sistema aquapônico, combinando a técnica de hidroponia com a criação de peixes. Alega-se que ambos, hidroponia e aquaponia usam fertilizantes orgânicos, reduzindo bastante o uso de agrotóxicos e de água, sendo alternativa viável para quem não tem áreas disponíveis, como aquelas próxima às cidades (abaixo).

Fazendo parte das argumentações, são colocadas duas situações provocativamente antagônicas: a da “velha” escola dos produtores orgânicos contraposta a uma visão mais inovadora, inclusiva, de técnicas que usam insumos orgânicos, e querem fazer parte da “tchurma”, ou melhor, do selo com o lastro oficial estadunidense.

Por fim, a “cereja do bolo”, ou seja, os números: em 2013, as vendas globais de alimentos e bebidas orgânicas atingiram 72 bilhões de dólares, com a Europa e os Estados Unidos no comando de 90% das vendas do mundo.

Mas o consumo de produtos orgânicos tem ganhado cada vez mais adeptos nos Estados Unidos, onde tem crescido de forma significativa e consistente no país por mais de uma década: o segmento duplicou desde 2007, quando as vendas orgânicas estavam abaixo de 20 bilhões de dólares; em 2016 chegou-se ao patamar de cerca de 47 bilhões de dólares, um avanço de mais de 8% ante o ano de 2015 (Associação do Comércio Orgânico, EUA).  Frutas e vegetais estão entre os mais consumidos dentro desse segmento, além de carnes e aves, estes movimentando a cifra de 991 milhões de dólares também em 2016.

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A meu ver, são muitos e muitos cifrões que atraem a cobiça e toda a sorte de argumentações, até mesmo bem orquestradas e de fácil apelo junto à população. No entanto, a premissa inicial está errada: hidropônicos e aquapônicos usam sistema de produção diverso do orgânico. Não são equiparáveis.

É como você olhar tomates que venham da hidroponia, do cultivo tradicional, do orgânico. Talvez sejam todos muito semelhantes. Mas a aparência não os faz iguais, de forma alguma. Se pelas leis do mercado os querem fazê-los iguais, para aproveitar a onda milionária, ops, bilionária da demanda crescente, aí é outra história, né? Da carochinha, ouso observar. Mas temo que nesse assunto não haja espaço para contos de fadas.

Talvez os produtores orgânicos tenham mesmo que arregaçar novamente as mangas, ir para “as tabelas” e se recriar, sem perder suas raízes, profundas como as que um alimento verdadeiramente orgânico nos oferece.


ELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS

Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola.

 

 

CRÉDITOS

Foto principal: montagem da autora

Foto selo: http://bit.ly/2jjsDeZ

Foto cultivo hidropônico: http://bit.ly/2AAWi7D