É interessante como as coisas acontecem: situações múltiplas pipocam aqui e ali e eu vou me envolvendo, sempre tendo cautela, sempre buscando não emergir direto, mas nem sempre tenho este tato todo que gostaria de ter, de modo a me envolver em demasia, perdendo a oportunidade de assistir o andar da carruagem. Gosto de ser protagonista, em especial, da minha história de vida. Foi assim que passei a semana dando palestras, sendo homenageado, porque meus amigos entenderam que eu “voltei” ao meu estado de atuação, que havia me afastado no decorrer da pandemia e no processo da depressão que me assustou sobremaneira. Foi um tempo difícil. Já havia comentado que nunca me vi deprimido, mas também nunca sofri tanto como quando vivi o episódio da depressão. Portanto, voltar atuando em várias frentes foi uma forma de marcar território e me sentir atuante e capaz, novamente. Coisas que apenas quem já viveu a doença é capaz de avaliar.
Porém, neste redemoinho de acontecimentos, eis que me surgem pensamentos que possibilitam entender alguns desdobramentos e repensar temporalidades. Vemos que, na Filosofia, quando pensamos em épocas, nós nos situamos nos períodos de tempo apregoados pelos historiadores e filósofos e, desta maneira, conseguimos perceber o desenvolvimento da humanidade. As nuances são destacadas e as diferenças são ressaltadas.
Por isso, alguns desencontros ideológicos e conceituais surgem, agora, com mais frequência, na medida em que dividimos os períodos históricos com menor tempo de duração: dizemos que o modernismo termina no início dos anos 2.000, para iniciar o pós-modernismo. Entretanto dizemos que a partir do advento da pandemia temos dada a largada ao hipermodernismo.
Sim, situações apenas conceituais, mas que escancaram boa parte de nossas vidas e nossas atuações, em especial se pensarmos em nossas ações e relações humanas, que se transformam diante do contexto, ainda que entendamos que existe a interação entre homem e contexto.Exatamente, porque o homem traz para seu meio aquelas inovações, transformações e avanços necessários para que se estabeleçam com adequação e sabedoria; na hipermodernidade a coisa toma um rumo de grande velocidade e conexões cada vez mais sutis.
Lembro-me de haver comentado a respeito do filme intitulado ‘Her‘(foto), traduzido para nosso idioma como ‘Ela’ e, que pela sua natureza, estudamos em minha disciplina, na pós-graduação da Unesp. Um filme que trabalha a temática mais do que adequada para esta temporalidade: um poeta se apaixona pelo sistema operacional de seu notebooke, ao longo da história, a interação entre os amantes soa como um romance normatizado pelos padrões de Romeu e Julieta. Não sem lembrar que era um homem apaixonado por um sistema operacional…
Este sinal, explicito e direto, da hipermodernidade chocou de imediato, trouxe muitas indagações e despropósitos, porque entendemos a modernidade com olhares de idade média. Daí, nossas interações ficam truncadas e desproporcionais, levando-nos a desconsiderar avanços e retrocessos da humanidade.
Se iniciarmos a discussão, basta-nos lembrar que algumas poucas décadas atrás o conhecimento obedecia uma formatação diferente da que se nos apresenta nestas duas ultimas décadas: hoje as relações humanas são mediadas pela internet, diferente do que acontecia com essa frequência atual. Estamos conectados para comprar, para pesquisar, para contatar, realizar negociações bancárias, enfim, viver no mundo ciber. Hoje muito mais do que nunca.
Pensando nesta situação, temos que as formações humanas, também, sofrem suas alterações e passam a apresentar as configurações desta hipermodernidade: enquanto éramos formados numa lógica biológica, ou técnica ou humanista, atualmente estas grandes áreas se interpõem e favorecem às novas concepções de pensamentos e profissões. A pluralidade de informações e construções de conhecimentos é responsável pelas formações profissionais híbridas, de vanguarda, diferenciadas e impensáveis anos anteriores.
Hoje, nossas faculdades não se prendem à raiz da ciência mas à interdisciplinaridade, levando conhecimentos que unem recortes de ciências, anteriormente distantes, dando uma formatação única e futurista para aquele que se aventura a exercer novas atuações no núcleo social de onde se originou e expandir para o mundo: não se produz ciência para o seu laboratório, para sua cidade ou seu estado. Atualmente entendemos que se produz para o mundo e estes segmentos citados acima são componentes do Mundo.
Com isto temos os engenheiros que discutem filosofia com profundidade, médicos que participam de concertos musicais (como músicos), poetas que são bioquímicos, professores de letras que entendem de química e por ai vamos avançando: interdisciplinarmente. Perdemos o pé na disciplinaridade e avançamos na interdisciplinaridade.
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DE QUAL INDEPENDÊNCIA ESTAMOS FALANDO?
Temos quem discorde? Temos opositores? Sim e muitos, cada um por seu motivo, válido e pertinente, mas necessário de novas percepções, visto o fato da pluralidade de informações, da velocidade com que elas fluem e da concepção da sociedade que se pretende ter: o fluxo atual cobra conhecimentos com profundidade, aprofundamento diante das especialidades e olhares polifônicos diante da atual sociedade. Uma verdadeira torre de Babel, onde a língua vigente é a língua do crescimento e desenvolvimento humano.
Ainda vemos resistência a este modelo, mas após vivermos confinados e sobrevivermos graças à internet, percebemos que o fato do Theodor se apaixonar pela Samantha, seu sistema operacional, tudo pode vir a acontecer. Basta tentarmos e acreditarmos em nossos crescimentos e desenvolvimentos. Coisas de humanos que buscam evoluir, ainda que com desconfiança. Voltaremos ao assunto, porque isto dá samba.(Foto: cena do filme ‘Her’, de 2014/Divulgação)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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