De qual INDEPENDÊNCIA falamos?

independência

Diante das voltas do mundo, mais uma vez comemoramos a Independência do Brasil. Entretanto, não gosto nem de imaginar que a data possa passar sem uma análise criteriosa de seu significado e de sua intensidade. Quando falamos em independência, de qual independência falamos? A que estamos nos referindo e com que propósito nos sentimos independentes?

Então, minha porção crítica me leva a questionar o significa esta independência que celebramos. Penso no quanto ainda temos amarras que nos escravizam e aprisionam, no cotidiano de nossas vidas. Todas as definições nos levam a um choque surpreendente de propósitos que nos chacoalham para uma realidade desconhecida. O conceito de independência pode ser associado a vários conceitos, por exemplo: liberdade, autonomia, autodeterminação; isenção, imparcialidade, neutralidade; soberania, insubmissão, ausência de subordinação; bem-estar, fortuna, prosperidade.

Este estado de quem tem liberdade ou autonomia é antônimo de dependência, então começa o dilema: quem é independente? Quem é autônomo? Como lido com minha autodeterminação? O que me garante soberania? Gerencia minha vida com imparcialidade? Percebo-me autônomo em minhas atitudes?

A independência permite que você tenha a autonomia de fazer as suas próprias escolhas. Traçar seus rumos e escrever sua história; porém, na construção de uma vida mais livre, podem surgir alguns obstáculos no caminho, visto que não caminhamos sozinhos nem estamos isolados numa caverna. O contexto social nos traz novos informes e novas possibilidades que pode coincidir com as nossas ou divergir delas.

Então, em nome do doce gosto da liberdade vale fazer grandes renúncias e permitir que algumas daquelas situações sejam adiadas. Mas, é claro que, aqui não estamos falando sobre renunciar a vida – essa é uma medida extremista e, geralmente, guiada por uma falta de perspectiva, uma dificuldade em enxergar saídas, que estão lá, mas não são vistas. Daí que, para se tornar independente é necessário, justamente, desenvolver distintas formas de encarar a realidade, além de conseguir resolver de forma estratégica os problemas que se apresentam, ou seja, encontrar saídas saudáveis, adaptáveis e funcionais.

Mas falar de independência significa falar de que? Tem algo com a independência do país? Sim e não. Sim porque de certa forma nos moldamos ao exemplo maior e imprimimos um ritmo de vida que se compara com o ritmo do país. E qual ritmo é esse? De uma nação rica, poderosa, forte e engajada na modernidade. Atraente e descolada. Então, respondam-me: somos isso?

Temos toda esta desenvoltura na Vida? Conseguimos agregar liberdade, autonomia, autodeterminação; isenção, imparcialidade, neutralidade, soberania, insubmissão, ausência de subordinação, bem-estar, fortuna, prosperidade e vivermos íntegros e felizes? Ou somos reféns de nossas mal elaboradas ideias de autonomia e liberdade? Nosso dia a dia se mostra pautado pelas nossas descobertas de insubordinações e garantimos o ritmo ou paramos para dar explicações?

Triste notar que não nos construímos autônomos nem independentes, gerenciando nossas vidas num “looping” exponencial de dependência, de modo a não conseguirmos localizar a felicidade em canto algum, porque sempre depositamos a chave da nossa porta/intimidade a alguém que traga ou produza a nossa felicidade.

Desta maneira, mantemos agregações que não nos permitem alçarmos voos mais altos, visto que precisamos da aprovação dos outros, tanto pra voar, quanto para idealizarmos a altura e direção. Nosso bem-estar e nossa soberania ficam comprometidas devido nossa baixa autoestima e nosso crescimento humano torna-se débil e insonso: vivemos a Vida que os outros querem que vivamos.

É isso o que chamamos de independência? Cantar e dançar as mesmas musiquinhas do TikToK? Contar e repetir as mesmas piadas surradas dos “Reels”? Usar as mesmas roupas, com as mesmas marcas que a “galera” usa? Copiar as cores dos esmaltes, os cortes de cabelos e os gestos da “modinha” é ser independente? Ser autônomo? Sermos pessoais?

Como fica complexo notar que nós nos enganamos e gostamos de sermos enganados. Facilitamos até. E tememos sair desta posição, de medo de magoar alguém (um amigo, um parente, um colega de trabalho). Tal postura nos coloca como engolidores de sapos e dá ao outro a possibilidade de serem nossos donos, nossos proprietários; com isso nossa autoestima se esvai esgoto abaixo e nossa possibilidade de reação fica cada vez mais complexa, mais enxuta, mais mirrada.

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Chegamos até a entender que o erro esteja em nós; paramos várias vezes para nos rever e nos avaliar, em especial quando percebemos que a Vida se fecha sobre nós. Mas não conseguimos nos desligar de quem nos fere, ainda que com sutileza e ações discutíveis. O efeito hipnótico da amizade transgressora se faz notar pela dependência com que nos vemos diante de nossos “patrões da Vida”. E que são muitos.

É diante disto que pergunto: de qual independência falamos? Somos independentes? Desde quando? Como? Acredito que uma boa reflexão nos permitirá perceber que as coisas são complexas ao ponto de nos enredarmos pela Vida, sem um cuidado nas nossas escolhas. Então, de repente, nos pegamos golpeados pelas lanças de nosso próprio arsenal de fragilidades. E nossa liberdade encontra-se nessa desobrigação de ser feliz, submetidos ao prazer do outro.

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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