E pensar que vivemos correndo atrás de nossos sonhos. A melhor parte desta correria ao sucesso se faz num processo de muita dor e muita aflição, porque sempre queremos o sonho realizado em meia hora e, de modo a quebrar com nossa expectativa, ele só vai se concretizar sabe-se lá Deus, quando. E tal perspectiva se dá para todo e qualquer sonho dos mais reles mortais.
Vemos que, durante nossa Vida, almejamos muitas coisas que nunca atingimos, seja lá por qual motivo for; algumas entram para o plano do impossível e outras entram para o espaço dos inviáveis. Tal distribuição se dá a partir dos nossos objetivos serem mais ou menos compatíveis com a possibilidade de acontecimentos: nem tudo o que sonhamos é viável. Temos a facilidade de desejar o impossível.
Desde a escola básica vivemos alguns sonhos que alimentam nossas Vidas: alguns são bem razoáveis e outros são bastante improváveis. Dos professores até a família, todos interferem e influenciam para que se persiga algo menos possível: os sonhos que não se realizarão em tempo algum. É assim que percebemos a escola preparando todos seus alunos para o ensino superior, numa cadeia desregulada em que teremos muitos engenheiros, advogados e médicos, caminhando em sentido oposto ao desejo das crianças.
Muitas comunidades têm sonhos de ver os filhos alfabetizados, educados, instruídos e preparados para o mercado de trabalho; nem todos almejam o título de doutor e nem todos os estudantes querem ser arquiteto ou fisioterapeuta. Porém o ensino atende a uma única via: o clássico educar a todos com as mesmas ferramentas instrucionais. São escolas semelhantes para públicos diferentes, o que não é democrático.
O ensino universitário não caminha de forma diferente: curso de uma profissão com grades curriculares diferentes, não atendendo a regionalidade. Vemos uma determinada carreira ser oferecida por duas ou três faculdades, numa mesma cidade, com grades curriculares diferentes e incongruentes, dificultando a transferência de seus alunos, entre as faculdades. Pior: grade curricular superficial e inadequada para aquela profissão. E assim a sociedade vai se constituindo, sem uma estrutura adequada e sustentável.
Num mesmo modelo desta sociedade caótica, temos a família que é responsável pela manutenção de todo este sistema; cada época vemos uma nova forma e vivência do grupo familiar. Além do modelo tradicional, vemos orbitando as famílias compostas por duas mães ou dois pais, duas mães e um pai ou dois pais e uma mãe, além de outras formatações aí apresentadas.
Estas famílias aí existentes são responsáveis pelas profissões exóticas e tradicionais que convivem nas comunidades que dão ordem ao caos: é claro que algumas delas alimentam com mais rigor as profissões tradicionais, dando origem aos advogados e engenheiros que nunca atuarão nas áreas de formação. Outras famílias serão protagonistas da sequência de profissões inovadoras que, segundo alguns estudiosos da opinião pública, serão as renovações futuristas.
Neste novo formato temos os influencers, os designers, os gamers ainda que não se saibam ao certo o que significa cada um destes caminhos. E por que as famílias são protagonistas? Porque elas querem um filho com diploma universitário, seja ele qual for, gerando um sem número de jovens com formação discutível, mas universitário, ajudando o governo federal a bater a meta de ser um dos países com maior número de população universitária, ainda que inoperante.
Para o desavisado, pode não haver relação entre estes dois blocos iniciais de minha crônica, porém a família é responsável pela construção da sociedade e pelos reflexos que dela advém: quando as coisas andam bem, todos nós avançamos e nos fortalecemos enquanto grupo social que se fortalece e se expande levando empregos e demais ocupações remuneradas. A célula inicial da sociedade se estabelece na ordenação lógica do sucesso ou do insucesso.
As religiões passam por esta instabilidade? Sim, das mais tradicionais até aquelas que vemos se estabelecendo, temporariamente, em garagem ou salões das cidades de interior e das capitais. As lideranças caçam seus fiéis entre os mais incautos e necessitados que, em busca de sonhos e milagres, se entregam a causa e à religiosidade, de maneira cega e inconsequente.
Nesse rumo vemos pessoas fazendo doações absurdas e líderes enriquecendo de maneira abrupta, sem uma justificativa plausível; tudo tem acontecido em templos que brotam nas ruas do Brasil, inclusive os fiéis que se transformam em verdadeiros cães de guardas de seus líderes. Inebriados pela lábia dos lideres religiosos, famílias se deixam aliciar e se entregam na devoção de propostas salvadoras e de uma fé estranha e recheada de um misticismo cada vez mais infundado.
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SUPERAR NOSSOS LIMITES E CRENÇAS
A situação está tão estranha que temos pessoas discutindo a guerra do Oriente Médio sem saber nada de cada país envolvido e sem saber o papel que o Brasil faz na ONU. São os componentes da ‘sociedade do espetáculo’, que misturam cada um dos desavisados que flanam pelos grupamentos sociais e que buscam ter uma conversa mais politizada (o que não significa uma conversa mais sábia).
Nesta fragilidade social e cultural, nossas famílias vão se constituindo, cada vez mais delapidada e cada vez mais frágil, sem conseguir cumprir seu papel básico de oferecer segurança aos seus membros: segurança? O que é segurança?(Foto: Cottonbro Studio/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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