Para Aristóteles, “in medio virtus”. Ou seja, as virtudes estão no meio termo. Demorei para aceitar a ideia. O “meio termo” sempre me parecia a mediocridade, o morno, o incompleto. Mas o raciocínio aristotélico é interessante. Entre dois polos, o melhor é a moderação. Assim, entre a absoluta avareza e a desenfreada prodigalidade, a temperança é a virtude. Entre a preguiça e a hiperatividade, a postura adequada é ter tempo para a ociosidade e tempo para o trabalho. Entre a gula e o regime famélico, nutrir-se do necessário é virtuoso.
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Agora vem outra ideia a me angustiar. Tenho visto que algumas virtudes estão sendo relegadas pelos que se dizem virtuosos e cultivadas pelos malfeitores. É o que leva o Brasil a reconhecer o malefício causado pelas facções criminosas. Ali, a infância é treinada a sobreviver, a despeito de toda a adversidade. O mal recruta a criança a partir dos seis ou sete anos de idade para servir de “aviãozinho” para transportar droga. E cobra dele um espírito de sacrifício inexigível para a criança da classe média.
O trabalho é diuturno, devotado e sem erro. Imagine alguém a pedir certa quantidade de maconha e receber como resposta que o funcionário encarregado de fornecê-la faltou. Ou que está doente, apresentou atestado médico. Ou que o produto está em falta.
Isso não ocorre. Entretanto, quando se necessita do serviço público, tais desculpas são rotineiras. Quem está mais preparado para sobreviver? O treinado pelo marginal ou o educado pela nossa escola do “mais ou menos”, do “da vida nada se leva”, do “é assim mesmo”?
O Brasil do bem é covarde, nessa fase melancólica em que nada parece funcionar, enquanto o Brasil do mal se organiza e faz a corrente demoníaca se desenvolver, crescer e recrutar a cada dia mais braços e inteligências.
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Uma sociedade só dará realmente certo se os bons tiverem a coragem de ser audazes assim como os maus o são. Não se pode negar eficiência às facções criminosas. Enquanto é preso um jovem por causa das drogas, há uma fila de dez outros à espera de ocupar seu lugar. A cada prisão por tráfico de entorpecentes, o Brasil legal propicia o cárcere para mais várias outras pessoas. Pois o primeiro compromisso daquele que é preso pela vez primeira, junto à organização criminosa que cuidará de seu futuro e de sua família, é abastecer de droga o sistema. Aí vêm as irmãs, namoradas, mães, primas e companheiras, que se tornam outros alvos para o aprisionamento. Mas a Rede continua eficiente. E eficiência é virtude. Ou não é?
O que estamos fazendo para acabar com isso? (foto acima: EBC)
JOSÉ RENATO NALINI
É secretário estadual de Educação e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.