O novo capítulo do TÔ DE DRAG  

tô de drag

No início deste mês, o Coletivo Tô de Drag – o primeiro coletivo drag da região – deu um passo audacioso ao abrir suas portas para novos integrantes. Sem processos seletivos formais – bastou o preenchimento de um formulário – para que, de um grupo de apenas quatro pessoas, passássemos a contar com 19 vozes, talentos e histórias. Para nós, criadores do coletivo, tudo que conseguimos sentir com essa novidade é orgulho de onde chegamos, mesmo que possa parecer algo modesto.

Essa expansão é a prova viva de que a arte Drag – em sua essência disruptiva e multidisciplinar – ecoa e atrai aqueles que anseiam por espaços de liberdade e expressão. Além disso, a decisão de facilitar a entrada de novas pessoas surge como uma iniciativa para combater o senso de competição tão normalizado no meio Drag, oriundo da cultura dos concursos, que, embora riquíssimos em cultura, não se alinham ao propósito de união que o Tô de Drag propõe.

Ironicamente, nosso encontro ocorreu em um concurso, onde competimos por uma coroa. Éramos cinco na época – cada uma com sua perspectiva: havia eu, uma drag com mais de sete anos de carreira, frustrada pela falta de palcos; drags que buscavam aprender e se estruturar pela primeira vez; e outras que, apesar de alguma experiência, ainda não haviam nem definido um nome artístico. Naquele dia, nos unimos e, durante uma tarde de diálogos, identificamos inúmeras mudanças que desejávamos ver na cena cultural LGBTQIA+ da região. Concluímos que, se mantivéssemos contato e nos organizássemos, poderíamos revitalizar esse cenário da nossa maneira. Desde então, temos, aos poucos, criado projetos artísticos inéditos na região: desenvolvemos eventos que combinam performances e rodas de conversa, participamos da Parada LGBTQIA+ de Jundiaí como grupo e protagonizamos o primeiro evento público de temática LGBTQIA+ na história da Campo Limpo Paulista – tudo para manter essa arte viva.

Manter a cultura Drag ativa sempre foi um trabalho exaustivo, especialmente porque, fora do nosso grupo, não observamos esforços significativos nessa direção. Para apenas cinco pessoas que logo se diminuiriam para quatro com a saída de Hanelle Zee, o desafio era imenso; como dar conta de tirar nossas ideias do papel? Sentimos que era o momento de dar mais um passo e ouvir o que outros teriam a dizer – e acreditamos firmemente que essa expansão era necessária.

Para acolher essas novas vozes e perspectivas, dedicamo-nos a uma intensa reorganização interna. Após diversas reuniões e incontáveis conversas, elaboramos nosso manifesto, definindo de forma coesa os princípios que norteiam a preservação e a expansão da arte Drag em Jundiaí e região. Escolhemos o sistema organizacional a ser adotado e estruturamos nossas ferramentas digitais – desde documentos, normas, até a criação de mídias e a catalogação do nosso acervo de figurinos. Cada detalhe, cuidadosamente planejado pelas quatro integrantes fundadoras, foi desenvolvido para não apenas abrir espaço para novos membros, mas para inaugurar esse novo momento de forma organizada. Queríamos preparar o solo para que o florescimento do cenário artístico Drag ocorresse de maneira fluida, tanto para iniciantes quanto para artistas experientes. De forma transparente, buscávamos aquele frescor, aquela inovação – e, acima de tudo, precisávamos urgentemente de mais pessoas para vestir nossa camisa, a mais brilhosa, extravagante e babadeira de todas!

Mesmo com todo esse esforço, a empolgação nos impulsionava a proporcionar essa experiência a quem quisesse se juntar a nós. Frequentemente, recebíamos perguntas sobre a abertura para novos membros e percebíamos o potencial e o interesse de pessoas aqui e ali. Reconhecemos o quão enriquecedora é a experiência de ter um grupo de apoio para quem deseja se expressar autenticamente por meio de um alter ego, independentemente da área artística a que essa expressão pertença.

O que torna o Tô de Drag singular é sua multidisciplinaridade. Poucos coletivos drag no país apresentam tamanha pluralidade. Somos artistas teatrais, cantores, palestrantes, confeiteiros, punks, maquiadores, costureiros, representantes da cultura ballroom, entre muitas outras expressões. Trazemos em nós a diversidade dos corpos e das identidades, o que não só reflete nosso cotidiano, mas também impulsiona a criação de eventos inovadores para 2025. Em nossos planos estão eventos diurnos de desenvolvimento artístico, iniciativas educacionais, festas, espetáculos e ações em prol de causas sociais. Cada projeto é uma manifestação do ideal contido em nosso manifesto – um chamado à revolução que busca ampliar horizontes e dar voz àqueles que, historicamente, não foram devidamente ouvidos. Essa revolução, que parte do pessoal e ecoa no social, foi um dos principais motivos para abrirmos vagas a todos que desejassem construir conosco, pois acreditamos que, com mais integrantes engajados, podemos fomentar a autonomia para criar novos caminhos e oferecer o suporte que só uma verdadeira família Drag pode proporcionar.

Nosso manifesto – que recomendo fortemente que leia – não é apenas um conjunto de palavras; é a expressão de uma luta por respeito e reconhecimento. Em um cenário em que os espaços para a arte Drag são escassos e o incentivo, frequentemente, inexistente, o Tô de Drag se posiciona como resistência. Onde não há palco, nós o construímos! Temos a obrigação de lutar por nossa arte, pela comunidade LGBTQIA+ e por cada criação, enfrentando diariamente o desafio de preservar espaços de visibilidade – um desafio que, embora pareça impossível de superar individualmente, torna-se possível quando atuamos em conjunto.

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Nossa missão é clara: criar um ambiente seguro para performers Drag e entusiastas, ampliar as oportunidades para todos que desejam explorar essa arte e, sobretudo, demonstrar que a diversidade é a base de uma cultura verdadeiramente artística. Sempre defendemos essa posição, mas agora, com a nova fase que conta com mais “tôdes” – nosso nome carinhoso para integrantes e fãs do coletivo – pretendemos intensificar a desestigmatização da arte Drag. Queremos alcançar aqueles que ainda vivem na ignorância e mostrar que nossa expressão é plenamente cabível em qualquer espaço que outras modalidades artísticas já ocupam.

Que possamos, juntos – seja em quatro, nove ou em qualquer número – fortalecer a cena e garantir que a arte, em todas as suas formas, continue pulsando, iluminando caminhos e desafiando as barreiras tão grossas que nos foram impostas ao longo do tempo. Que a colaboração nos mantenha firmes, esperançosos e com a determinação de transformar o que quisermos, do jeito que quisermos. O Tô de Drag é mais do que um coletivo; é a materialização de um ideal que reflete a alma de uma parte da cidade, sedenta por renovação, inclusão e expressão.(Foto: Stella Pinheiro/Tô de Drag)

ANNA CLARA BUENO

De nome artístico Anubis Blackwood, é drag queen, artista performática e visual, professora de inglês, palestrante e produtora cultural. É membro do coletivo Tô de Drag, o primeiro de arte drag de Jundiaí e região. Colabora com o ‘Grafia Drag’, da UFRGS. Produz o festival Drag Vibes em colaboração com o coletivo, para democratizar a arte drag, mostrar sua versatilidade e levá-la a espaços e públicos novos por meio de performances plurais e muito diálogo.

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