Nossa região perdeu, neste início de janeiro, uma das figuras mais importantes e memoráveis para o ativismo de minorias. Nos despedimos de Samy Fortes(foto) – e foi bem mais cedo do que gostaríamos. Samy, travesti, negra e praticante de religião de matriz africana, foi incansável na luta pelos direitos LGBTQIA+, das pessoas periféricas, negras e na defesa da liberdade religiosa. Gaúcha e pertencente a uma família de militares, enfrentou, desde a infância, um mundo onde parecia não haver espaço para sua existência plena. Em sua palestra no TedXJundiaí, ela relatou os incontáveis atos de desumanidade que enfrentou desde os sete anos de idade. Apesar dos períodos sombrios, Samy sobreviveu e resistiu com uma força que iluminava todos ao seu redor – nada apagou o brilho que ela emanava.
Em algum momento Jundiaí teve o privilégio de recebê-la e chamá-la de cidadã. Samy moveu montanhas para que sua comunidade saísse das sombras, tivesse seus direitos reivindicados e conquistasse espaços de dignidade. Nunca esteve sozinha nessa trajetória: reuniu ao seu lado pessoas igualmente engajadas, que, junto com ela, traçaram caminhos de esperança. Participou de grupos políticos fundamentais para garantir proteção e acolhimento à comunidade LGBTQIA+ local.
Entre suas inúmeras contribuições, Samy fez parte do Movimento Aliados por anos, a ONG responsável pela Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Jundiaí e pelo Mês da Diversidade. Foi idealizadora e presidenta do CAIS (Centro de Apoio e Inclusão Social para Travestis, Transexuais e Pessoas em Vulnerabilidade), uma organização essencial para nossa cidade que preza por acolher a comunidade TT de diversas formas. Dentro do CAIS, ela nos presenteou com o EducaTrans, um cursinho popular inclusivo e gratuito, sem processo seletivo, que promove a escolaridade de pessoas trans e travestis, preparando-as para faculdades, concursos públicos e o mercado de trabalho.
O EducaTrans é uma resposta a uma necessidade urgente: no Brasil, 73,4% das pessoas trans e travestis abandonam a escola antes de completar o ensino médio. Este cursinho representa muito mais do que educação – ele devolve a possibilidade de sonhar. Sonhar com algo básico, mas vital: um diploma, dias seguros na escola e um emprego digno. Isso se torna ainda mais relevante quando enfrentamos dados como os do J10 de 2024, que revelam que apenas 0,38% dos cargos formais no Brasil são ocupados por pessoas trans e travestis.
Por trás do EducaTrans, projeto iniciado oficialmente em janeiro de 2024, há uma equipe extraordinária, movida pelo compromisso de transformar vidas. É um trabalho que exige planejamento, dedicação e voluntariado incansável, onde cada pessoa é uma peça essencial no funcionamento do projeto que, hoje, conseguiu se extender a outras cidades como Marília.
Samy foi, e sempre será, uma heroína. Sua força e paixão emocionam, e seu legado continua a inspirar. Mesmo com a dor da perda, o CAIS segue firme em suas atividades. A inauguração do EducaTrans, prevista para o dia 25 de janeiro deste ano, permanece confirmada. Professores, organizadores e coordenadores entenderam que essa é a maior homenagem que podem prestar a Samy: dar continuidade à sua luta por uma vida mais justa para a comunidade TT.
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“Tenho pressa, porque tenho muito trabalho a fazer”. Essas palavras, ditas por Samy em sua palestra para o TedXJundiaí em 2023, refletem sua urgência e dedicação. Sua vida foi um exemplo de luta por direitos humanos, mesmo em uma cidade marcada por um conservadorismo cego que massacra a vida de quem é fora do padrão.
Que possamos honrar sua memória sendo Fortes como ela foi – incansáveis na busca por justiça e dignidade para àqueles menos favorecidos na comunidade que habitamos. Convido você a conhecer, apoiar e acompanhar o CAIS e EducaTrans no Instagram: @educatransjundiai/@caisjundiai.(Foto: TedXJundiaí)
ANNA CLARA BUENO
De nome artístico Anubis Blackwood, é drag queen, artista performática e visual, professora de inglês, palestrante e produtora cultural. É membro do coletivo Tô de Drag, o primeiro de arte drag de Jundiaí e região. Colabora com o ‘Grafia Drag’, da UFRGS. Produz o festival Drag Vibes em colaboração com o coletivo, para democratizar a arte drag, mostrar sua versatilidade e levá-la a espaços e públicos novos por meio de performances plurais e muito diálogo.
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