BENGALA(ou a ausência dela)…

bengala

Quando comecei a usar a bengala ela passou a fazer parte de mim. Mesmo assim, este símbolo gerou resistências. Eu e Jorge (outro deficiente visual já citado em artigos passados) vivíamos conversando sobre a cegueira. Tínhamos dificuldade em aceitar nossa deficiência.

Conjecturávamos:

– Só precisamos de bengala por causa das pessoas que estão na rua. Poderíamos andar sem ela. Se tivermos cuidado e andarmos devagar poderemos nos virar com os obstáculos.

A juventude, um gole de revolta e o simples espírito de aventura fizeram o resto… Vamos tentar? Será? Combinei de dormir na casa dele. Bebemos café e fumamos um pulmão de cigarros até cerca de uma hora da madrugada.

Como me restava um mínimo de juízo levei minha bengala no bolso. Ele morava na rua Prudente de Moraes, entre a Siqueira e a São Bento. Fomos andando a passo de tartaruga reumática até a esquina. Continuamos. Não me lembro por qual rua subimos, mas fomos para o calçadão da Rua Barão.

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O som de nosso caminhar ecoava e nos mostrava o desenho da rua deserta. Eu conhecia bem o local, pois andava ali de bengala todos os dias. Sentíamos o monte de areia nos pés. Dávamos a volta com muito cuidado. Chegamos até a esquina próxima à antiga Paulicéia. Sentamos num pequeno banco. Fumamos. Respiramos entre o prazer da vitória e o alívio do medo. Como se não tivéssemos que voltar.

Loucura? Coragem? Estupidez? Confesso que não sei. Só sei que estávamos lutando. Talvez tiros erráticos numa fustigante batalha por um pouco de independência e dignidade. Não nos machucamos, surpreendentemente. Creio que nossos anjos foram promovidos a Serafins nesta noite. Talvez os únicos que conheciam a necessidade que tínhamos de provar a nós mesmos que podíamos.

Mandem suas opiniões e temas que gostariam que eu abordasse nos próximos artigos.(Foto: Eren Li/Pexels)

JOSÉ AUGUSTO DE OLIVEIRA

Formado em Psicologia na Universidade São Francisco (USF) e Psicanálise pelo IPCAMP(Instituto de Psicanálise de Campinas). Atua no AMI (Ambulatório de Moléstias Infecciosas da Prefeitura de Jundiaí) e em consultório particular. É deficiente visual. WhattsApp: (11) 982190402.

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