A difícil arte da CONVIVÊNCIA

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Altera aqui, modifica ali, tenta dar o tom acolá, busca acertar adiante, e segue-se o caminho, sempre na busca do melhor trajeto e da melhor companhia. Percebo que, às vezes, fazemos o impossível para nos moldar e para não destoarmos tanto, mesmo sabendo que o esforço deve ser conjunto. Porém, na difícil arte da convivência, percebemos tanto o medo de ser diferente quanto o medo não ter pertença nos grupos faz com que busquemos acertar.

Mas para tal acerto, sacrifícios invisíveis são feitos e não se tem ideia da inquietação que tais medidas trazem na vida de cada um. As pessoas se sacrificam para a convivência com seus pares, porque não somos iguais e precisamos de um grande exercício de adaptação. A única coisa que não nos damos conta é que nem todos querem estar conosco e nem querem conviver conosco. Apenas passam pela nossa Vida.

Minha experiência tem demonstrado que muitos dos que juram amizade eterna, que prometem parceria, são apenas caminhantes que seguem ao nosso lado, sem nada acrescentar na nossa Vida, mas que batem no peito e fazem seu show. Demonstram ser parte de nossa alma, sonho do nosso sonho e, na hora do perigo, da solidão, da dor, não estão disponíveis nem querem se envolver por não terem compromisso conosco.

Geralmente o socorro vem de onde menos se espera: um conhecido distante, uma pessoa vizinha, um estranho que cruza nosso caminho. Estes, sim, param, ouvem, aconselham, acolhem e, no dia seguinte, perguntam: como você está hoje? Melhorou. O fanfarrão, que diz muito e faz pouco, nem se preocupa com sua noite ou com sua dor. Mas já está pronto para o próximo show.

Claro que a Vida não é só de melodramas, tão pouco de dores e sofrimentos. Entretanto, as bocas populares dizem que em dia de Sol a praia está cheia, o que se aplica grandemente para estas propostas: conviver quando tudo está sereno é facílimo e agradável. Difícil é ajudar a transportar o saco de entulhos que a Vida nos entrega, sem perguntar ao menos se queremos carregá-lo; cumpre-nos carregar e buscamos ajuda, quase sempre no local e hora errados, justamente porque os oportunistas sentem o cheiro da situação e não se encorajam a ajudar realmente. Palavras…palavras…palavras…

Estes encaminhamentos (ou serão desencaminhamentos???) são próprios da Vida adulta pois examinando detalhes das relações infantis ou infanto-juvenis observamos muito mais parceria e sinceridade do que após o amadurecimento. Onde será que se perdeu a dignidade e o caráter, para que, quando adulto, nos furtemos de sermos parceiros de Verdade?

Onde será que dormem a verdade e a sinceridade para permitir que a falsidade e hipocrisia flanem tão livremente nas relações afetivas adultas. O mesmo se questiona sobre a traição, aquela entre casais, entre amigos, entre parceiros, entre familiares. Roberto Freire, em seu livro ‘Cléo e Daniel’, é muito hábil em retratar o anjo e o demônio existe em cada um de nós. Só se esqueceu de dizer que, em alguns, é possível encontrar mais anjo e, em outros, mais demônios.

Temos até a versão concentrada dos apenas anjos e dos apenas demônios, mas chega a soar como uma deformidade, uma vez que nenhum de nós somos perfeitos. Nesta altura da crônica, talvez, tenha alguém se questionando: quanta divagação…entretanto eu responderia: será divagação ou constatação?

Atualmente a convivência com pessoas que escamoteiam as atitudes e não se permitem viver a realidade está mais difícil: tudo é preconceituoso, tudo é invasivo, todos são desavergonhados. Parece que estamos na hora ‘H’ do juízo final, em que as trombetas soarão para avisar que os bons serão arrebatados e os maus queimarão no Umbral, a espera de outro resgate, se houver.

E, o que vemos é um conjunto de atitudes descabidas e uma quantia avassaladora de pessoas que não conseguem firmar um contrato social com ninguém, nem estabelecer um vínculo sadio sem dominar nem explorar. Estamos carentes de bons exemplos e de boas atitudes que marquem e transformem nosso coletivo em algo melhor e mais humano.

Pensar desta forma não me transforma num ET nem me coloca numa posição privilegiada, mas me encoraja a buscar uma forma de reconhecer meus semelhantes e me colocar na função de valorizar os bons exemplos e as atitudes dignas de serem seguidas e copiadas. Sinto falta, de fato, de bons exemplos, bons médicos, bons advogados, bons professores, bons garis, bons motoristas, enfim, de boas pessoas para funções que voltem a dignificar o homem.

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Não entendo que seja difícil, mas não estou encontrando o ninho de qualidades merecedoras de aplausos. A ideia que me passa é que o Mundo está numa sintonia estranha que não permite que nós nos apoiemos uns nos outros, então vamos capengando, como se estivéssemos bêbados e não conseguíssemos nos equilibrar nesta corda bamba da convivência.

Mas vou continuar a insistir. Sou teimoso e não desisto fácil. A difícil arte da convivência não é para amador nem para fracotes. A resiliência faz milagres neste momento: bora tentar mais um pouco…(Foto: Tima Miroshnichenko/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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