Esperamos tanto por um feriado e, de repente, ele se vai sem ao menos termos aproveitado como deveríamos. Aliás, é um feriado estranho, dúbio e disfuncional, pois reunia duas datas de muita importância: Dia das Crianças e Dia da Padroeira do Brasil. A primeira, tem o apelo comercial, com os pais investindo mais da metade dos salários na compra de brinquedos que terão vida útil por dois ou três dias. A segunda data vem carregada de um simbolismo religioso e mobiliza quase todo o país, em direção à Nossa Senhora da Aparecida.
Interessante que a festa da padroeira vem carregada de um sincretismo que se espalha pelo Brasil, sempre espalhando novas leituras culturais por onde é comemorada. Lembremos que, de norte a sul e leste à oeste, temos representações e seguidores das mais variadas formas de manifestação e, a Umbanda, uma das mais formas de expressar devoção e religiosidade, tem em Mamãe Oxum a possibilidade de reverenciar a Senhora de Aparecida com muito clamor e fé.
Em todas as manifestações culturais e religiosas que se aplicam aos desdobramentos da Umbanda vemos comemorações e devoções, cada uma delas a seu modo, entretanto os fiéis se envolvem na mesma proporção que os católicos, salvo as devidas diferenças e manifestações, de forma que os agradecimentos e pedidos se multiplicam por todo o país, para uma única divindade, desdobrada pelo sincretismo religioso que percorre todo nosso território.
Não se trata de desrespeito nem de ultraje, visto ser uma manifestação cultural e social, inclusive com alguns participantes que se revezam nas duas religiões: frequentam a igreja católica (e reverenciam Nossa Senhora Aparecida, como sendo Nossa Senhora Aparecida) porém frequentam templos de Umbanda e reverenciam Mamãe Oxum (que no sincretismo vem a ser Nossa Senhora Aparecida).
Estes cidadãos dúbios, “híbridos”, não “habitam” apenas os meios religiosos. São figuras constantes em partidos políticos, mas agem com os ideais e atitudes de outros. Discursam, arquitetam, trapaceiam, confabulam e seguem a Vida em duas canoas. A única coisa em comum com o primeiro grupo, o das religiões, é a proposta de existir, de forma híbrida, apesar do propósito ser diferente e o desfecho das atitudes não se compara: um prejudica e outro apenas coexiste.
Quando estudamos Psicologia das Religiões aprendemos que neste espaço a busca pela Salvação, a vontade de se mostrar melhor e mais íntimo de Deus (seja o Deus que for), e a proposta de fazer o bem são perspectivas que se fazem presentes em qualquer segmento. Já na política, as propostas enviesadas são mais presentes e mais destrutivas, ainda que não as percebamos de imediato.
A escola é diferente? O ambiente escolar é constituído de uma única população docente e discente? Comecemos a analisar o grupo que deveria ser servido: os alunos. Cada um deles vindo de um lar de diferente formação e compreensão sociocultural e com diferentes níveis econômicos vemos esta população não se ambientar ao ambiente escolar. Mais que isto: destrói e transforma o aparelho escolar num local pouco convidativo ao ato de aprender e a experimentar o novo.
Aqui vale a pena analisar mais e com mais cuidado: os alunos são originários de famílias que, ou introduzem seus filhos nas escolas públicas ou nas particulares. Diferente daquilo que vivemos décadas atrás, os costumes mudaram à tal ponto que o corpo discente, em sua grande maioria, desrespeita regras, lideranças instituídas e compromissos escolares. Atestados e laudos (a novidade do momento) desobrigam os alunos a frequentar e a ser avaliado. Tais artimanhas deixam os docentes de mãos atadas, visto que a legislação vigente “beneficia” ao aluno “laudado”.
Na outra margem temos os docentes, com suas múltiplas formações e especializações, atuando num ambiente híbrido: o presencial e o virtual. Não funciona em sua totalidade porque os alunos não são obrigados a abrirem suas câmeras, deixando de participar das aulas remotas e on-line. Um show de monotonia toma conta daquele espaço de tempo e o ensino se degrada, há um detalhe a ser observado: é o despreparo do docente diante do ciberespaço e da cibercultura.
Apesar de seus inúmeros cursos e especializações, as formações tradicionais ainda avançam e promovem uma melhor capacitação dos professores, sem favorecer a interação homem-máquina e fortalecer o distanciamento do corpo docente do ciberuniverso. A dicotomia existente entre estes dois mundos (real e virtual) apenas se perpetua e levaremos tempo para dissolvê-la, justamente porque a formação atende às necessidades de hoje, sem prever ou projetar as necessidades futuras, não sendo atraente o suficiente para agregar alunos e professores no ambiente escolar.
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SUPERAR NOSSOS LIMITES E CRENÇAS
Assim, sem contar com a variabilidade e funcionalidade da escola, somadas á uma formação docente bastante preocupante (porém cada vez mais titulada, smj) e uma família não engajada na educação de seus filhos, vemos uma politica partidária e educacional descompromissada com a transformação social e cultural do país, seja lá em que tipo de escola for (da pública à privada).
Olhando para este contexto dúbio e disfuncional conseguimos perceber porque demoramos para avançar e para transformar nosso espaço. A questão cultural é uma pedra em nosso sapato, muito mais transtornante que a fome de comida: temos necessidade de rompermos com a fome de saber, fome de sofrer, fome de sentir e fome de crer. Tal conjunto não permite de saiamos deste estágio dúbio e inoperante de vida cultural, que nos mantém dóceis e domesticados, mas incultos e sofridos.(Foto: Dids/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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