INQUIETUDE que atende por um nome dolorido

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Sempre há algo  a comemorar, uma data, um santo, um feito histórico, uma lembrança, mas aquela inquietude que atende por um nome dolorido tem seu dia e, por 24 horas fica ecoando em nossos sentidos, sinalizando o objeto de saudades e as fases de seu desenvolvimento em nossa Vida. Sim, esta inquietude incomoda porque é fria, dura, implacável e até terna, gostosa e aconchegante: consegue ser dúbia; machuca-nos e nos faz bem, ao mesmo tempo, num misto de “sei lá o que” que nos incomoda.

E por falar em saudade
Onde anda você?
Onde anda os seus olhos
Que a gente não vê
Onde anda esse corpo?
Que me deixou morto
De tanto prazer

Nem sempre sabemos dizer, ao certo, se dói ou se suaviza nossa Vida, tal é o grau de inquietação que nos desperta; uma coisa sabemos: no início da situação é tudo o que não queremos sentir. De um tempo adiante passamos a conviver com ela, num misto de lembrança querida e dor mal curada, até que se torne uma lembrança distante, com cicatriz bem visível e bastante zelada. Eita, essa tal saudades!!!

Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos numa linda passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim descolorirá

Muitos são os motivos para que algo se torne uma simples lembrança, uma grande saudades. Vamos pelo mais fácil, que é a saudades de nossa infância, já distante e bem gravada em nossa memória. Neste caso nem perdemos tempo em teorizar, distinguindo as memórias de curta, média e longa duração, porque a saudades da infância é algo tão delicioso que nosso imaginário nos reapresenta os cheiros, as sensações outras e os afetos que se nos acometeram, numa perfeição e nitidez quase impossível de acreditar.

Conseguimos voltar ao passado, ao lugar exato, com suas cores, cheiros, texturas e sentimentos legítimos vividos ali, como se estivéssemos sendo transportados, numa máquina do tempo, para o espaço onde fôramos felizes (ou nem tanto) mas cuja memória afetiva nos liga, ternamente. E reviver estes momentos nos revigora, nos traz novas emoções e nos possibilita rever e repensar no presente e no futuro, com perspectivas inovadoras, munidos de nossas experiências e nossas compreensões atuais. Mas a saudade é legítima, ah, sim…ela é legítima.

Agora está tão longe, vê
A linha do horizonte me distrai
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos na mesma direção
Aonde está você agora
Além de aqui dentro de mim?

E a saudades do grande amor ou, ao menos, do amor, que julgávamos sentir e, com a vivência, se transformou em algo não tão nobre ou em algo menos agudo e menos vivível? Estranho é lembrar e sentir o passado brotar, do nada ou das pequenas coisas (ruas, sons, músicas, conversas, calçadas e sarjetas, flores, perfumes,…) remetendo-nos a gostar de algo que remeta ao ex-amor. Sim, existe ex-amor, sim senhor. Quando não existe correspondência ou fidelidade ou respeito, aquele sentimento se torna um ex-amor que causa inquietude. As vezes perdura como amizade, porém as chances de voltar a ser amor já se prendem às lembranças tatuadas na Vida da pessoa que formalizou o distanciamento. Complicado, pois sobra a impressão de que o Tempo errou; que não podia ser assim. Mas é. Determinantemente é.

Estranho é gostar tanto do seu All Star azul
Estranho é pensar que o bairro das Laranjeiras
Satisfeito sorri, quando chego ali
E entro no elevador

Tal percepção vale para ex-amor, ex-parceiros, ex-amigos e… parentes (que só não podem ser ex porque a natureza não permite, mas ocupam os lugares de ex, dependendo das relações humanas existentes). Vivemos no dilema de querer e não querer, ver e não ver, falar e não falar. Vai ser difícil, sim, a proposta de viver sem a pessoa foco de nossas emoções mais fortes e puras. Vale para as perdas, para a Morte, para os divórcios, para os distanciamentos (mudanças, esquecimentos, vacilos, enfim…), sempre haverá os que nos consolem dizendo que a Vida continuará, mas ninguém admite que doerá, de início. E doerá e muito. Causará inquietude com certeza. Mas, sim, a Vida continuará.

Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil eu sem você
Porque você está comigo o tempo todo
E quando vejo o mar
Existe algo que diz
Que a vida continua e se entregar é uma bobagem

Que mais sobre ela, a Saudades? Que é majestosa e imperiosa, surge de repente e remexe em nosso interior com uma força gigantesca ao ponto de nos desestabilizar mas precisa ser investigada e colocada em seu espaço, digno e curioso, pois só existe por haver sido importante num espaço de tempo, que agora tem outros olhares, outros significados e outras dimensões. Dizem que os adultos lidam melhor com a Saudade, mas eu tenho minhas dúvidas: nenhuma vivência é desprezível, portanto, deve ser interpretada em razão do seu contexto e a importância que teve, naquele espaço. Ainda que cause certo incomodo, inquietude.

Já que você não está aqui/ O que posso fazer é cuidar de mim
Quero ser feliz ao menos/ Lembra que o plano era ficarmos bem?
Sei que faço isso pra esquecer/ Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora

Penso muito em minhas perdas (não aprendi a perder com serenidade) e cada vez que isto se dá, revejo valores, repenso caminhos e atalhos, avalio decisões e tolerância, indago-me sobre minha implicância e resistência diante do que me soa contrário ao meu modo de pensar, refaço trajetos onde posso ter vacilado e analiso minhas metas, porque a Vida continua, de uma forma ou de outra. Algumas perdas muito significativas me marcaram profundamente e até hoje me causam inquietude. Mas não faço disso um marco sinalizador do futuro: parto dai para a construção do novo e para a escrita do novo. Não permito que uma perda me freie e transtorne meu futuro; tenho sede de Vida e vou à luta…

Algumas tatuagens ainda doem, porque foram feitas com cor, som, cheiro, jeito e tinta de algo muito bom que deixou Saudades; estas são as mais revisitadas e, às vezes, machucam um pouco mais, porém já consigo olhar com cautela e sentir que foram necessárias, que tiverem (e têm) suas importâncias no meu modo de encarar a Vida, mas que algo ou o Tempo se mostrou soberano e as mudanças ocorreram em função disto. Então, é inteligente perceber que o Tempo, Senhor de tudo, apenas reorganizou as peças e os sons para que eu vivesse com intensidade aquele momento e tivesse compreensão das alterações surgidas por isto ou por aquilo, sem julgamentos.

O que está escrito em mim
Comigo ficará guardado, se lhe dá prazer
A vida segue sempre em frente, o que se há de fazer?
Só peço a você um favor, se puder
Não me esqueça num canto qualquer

E assim seguimos, comemorando o dia da Saudades, as vezes sem muita reflexão sobre seu real significado, mas sempre sentindo esta inquietude que, ao mesmo tempo que inquieta, fortalece-nos por nos trazer lembranças de bons-maus momentos, já vividos e vivos na lembrança. O importante é lembrar que de uma forma ou de outra a Vida continua e que a Saudades justifica um momento muito especial que tivemos em nossa caminhada. E outras virão, porque a Vida não para.(Foto: Pikist)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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