A menina se sentou na cadeira em frente à minha mesa, como faz, comumente, após suas atividades na Casa da Fonte – CSJ. É toda meiguice no jeito e na fala de seus sete anos. Comentou que a mãe estava doente. Problema de lembranças. Brinca com ela e as primas de casinha, de boneca e só come se lhe derem na boca.
Perguntei como ela se sentia. Respondeu-me que ajudava a mãe a melhorar, acariciando bastante as suas mãos e cabelos. Tão bonito isso. Pequenina de alma grande e iluminada.
Voltei aos seus dois ou três anos. Conheci-a desde a barriga. A mãe passou por nós no início da adolescência.
“Problema de lembranças”, a doença da mãe. Ah, meu Deus, muito mais do que dificuldades neurológicas, embora se aguarde o resultado da ressonância magnética!
A mãe teve o seu tempo de sonhos além de Gata Borralheira. É raro não se passar por um anseio de Cinderela, menos pelo príncipe, mais para se sentir importante na vida de alguém.
Com o pai da primeira foi um estalar de dedos. Despertou e passou rápido. Com o dela, o moço, de passos vacilantes entre a sobriedade e o delírio da fumaça, ficou mais tempo. Apaixonada, era toda dele, até mesmo nas agressões físicas e por palavras. Tão dele que não mediu as consequências para segui-lo em outra cidade. Meio no estilo da composição de Ataulfo Alves: “Ai meu Deus que saudade da Amélia/ Aquilo sim que era mulher/ Às vezes passava fome ao meu lado/ E achava bonito não ter o que comer/ E quando me via contrariado dizia/ Meu filho o que se há de fazer? /Amélia não tinha a menor vaidade/ Amélia que era a mulher de verdade”. Chegaram a dormir, por alguns dias, com a menina junto, em uma construção em que ele trabalhava como ajudante de pedreiro, como diz a música de Luís Antonio e Oldemar Magalhães: “Vai, barracão/ pendurado no morro/e pedindo socorro/ à cidade a teus pés”. No meio dos desacertos, a tia pegou a guarda da menina.
Depois dele, mais dois ou três relacionamentos tóxicos. Muitas atitudes são da falta de oportunidades na vida, desde o tratamento adequado para os limites. Meninas que vão vivendo sem eira e nem beira, felizes quando o carrinho está repleto de recicláveis para trocar por algumas moedas.
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“Problema de lembranças”. Com certeza, muitas de suas memórias não lhe fazem bem. Pisam em sua autoestima tão dilacerada. Melhor resgatar a boneca de pano que ficou em seus primeiros anos.
Depois, a porta-joias de ternura, contou-me que sente saudade da avó paterna que já partiu. Recorda-se de uma música que aprendeu com ela e que a faz chorar ao cantá-la. Com doçura cantou: “O vento balançou, meu barco em alto mar/ O medo me cercou, e quis me afogar. / Mas então eu clamei ao filho de Davi/ Ele me escutou, por isso estou aqui. / O vento Ele acalmou, o medo repreendeu/ Quando Ele ordenou, o mar obedeceu”. Choramos juntas.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE
Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de risco.
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