Todo mundo conhece macarrão instantâneo. Há várias marcas, mas na boca do povo é mais conhecido pelos nomes nissin e, principalmente, miojo. É aquele macarrão que fica pronto em três minutos e vem acompanhado de um tempero forte para dar o sabor prazeroso. A pessoa come e se sente satisfeita. Tudo rápido, do jeito que é o mundo hoje, as pessoas têm pressa para satisfazer suas necessidades… e atingir objetivos. Aqui começa o assunto, onde o miojo é um personagem conectivo.
O macarrão instantâneo tem décadas e décadas e foi aclamado como uma das maiores descobertas do século passado. Sim, isso mesmo, embora para se chegar a essa descoberta não tenham sido necessários anos de estudos, cálculos matemáticos complexos. Bastou fritar o macarrão em óleo em altíssima temperatura para depois ser armazenado para a venda. E seu fiel acompanhante, que dá o sabor, traz o dobro de sódio recomendado pela Organização Mundial da Saúde. O célebre glutamato monossódico, um dos aminoácidos não essenciais mais abundantes na natureza, está ali, muitas vezes oculto por outros nomes, como extrato de levedura ou proteína vegetal hidrolisada.
“Ah, mas eu como miojo há anos, não estou com nenhum problema de saúde, fazem muita tempestade num copo d’água” dirá alguém. Sim, o corpo humano – dependendo de pessoa para pessoa – adquire resistência frente aos agentes, digamos, violentos. São adaptações, temporárias. Porque a resistência não é eterna. Nossa vida é breve, os anos passam e as consequências chegam. E muitos não percebem, afinal, o dinamismo da vida em sociedade nos leva diariamente a cometer pequenos abusos, agressões ao nosso organismo, parte dessas agressões, inclusive, conscientes, mas não temos como escapar delas, evitá-las, por estarem intrinsecamente ligadas às nossas tarefas, inclusive profissionais, para sobrevivência. Além destes fatores, os alimentos industrializados, práticos e com extenso e apelativo marketing, funcionam como prazer nos momentos de pausa. Notem que alimentação é fundamental, mas a maioria busca o alimento revestido de cores, sabores… resultados de aditivos inúmeros, conservantes, gorduras, etc. O alimento industrializado oferece uma gama de produtos, com muito status e marketing e preços para todos os bolsos. O miojo não goza de status, mas é vastamente consumido, não só pelas camadas mais populares. Em um ano, de 90 a 100 bilhões de unidades de macarrão instantâneo são consumidas em todo o mundo. Números que impressionam. E revelam que, independentemente de país e condição social, existe uma gigantesca deficiência na educação e consciência humana, ou se existe consciência, ela é deixada de lado pelos pretextos, como falta de tempo, pressa (pressa que também pode ser em resultados para aquele que participa do negócio, trabalha para aquela marca) e moda. É popular, é moda, a maioria consome, está naquele embalo.
Se no século 20 já tínhamos esse embalo coletivo nos prazeres dos produtos alimentícios industrializados (bebidas também, lembram-se do famosinho Ki-Suco?), hoje temos algo similar e numa ascensão tresloucada no mundo artístico. Não que os venenos chamados de arte não existissem no século passado. Existiam, mas não da forma que vemos neste século, após a chegada da internet, onde qualquer um de nós pega o celular, faz um vídeo, joga na dita cuja e espera o resultado dos “views”. Se der polêmica, maior a chance de sucesso e se tornar famosinho… e talvez famosinho de bolsos cheios, que é o objetivo de todos, claro. A internet abriu as portas a todo mundo. Um mundo, como vimos no exemplo do miojo, que tem pressa em consumir algo que traga prazer e satisfação visual. Risadas, deleites, extravagâncias, ousadia, discussão, intrigas. Que choque. Temos então, de um lado, pessoas que, como o criador do miojo, descobrem a fórmula simples, sem muitos cálculos mentais, para satisfazer consumidores sedentos, com pressa de se saciar, matar a sede e a fome. Antes da internet, era mais difícil conseguir rápida ascensão, precisava de analistas, pesquisas, alguém disposto a investir na ideia para ajudar a alavancar. Com a internet nos celulares, é extremamente rápido constatar a avaliação popular. Detalhe, independentemente de ser positiva ou negativa. O que alavanca estes criadores é a polêmica. Se gerar 50% de aprovação e outros 50% de reprovação, sucesso garantido. Então, a fórmula miojo é amplamente difundida. Peguemos, por exemplo, a área musical. Compositores 40 anos atrás trabalhavam por meses e meses na construção de uma música. Letras não só com beleza nas rimas, mas com consistência e até as famosas mensagens subliminares. Que muitas vezes faziam apologias polêmicas, mas eram resultados de conhecimento. Estudo. Trabalho que exigiu esforço, dedicação e persistência do compositor, do artista. O artista da época tinha noção de seu compromisso não só em levar o melhor ao público como também zelava pela sua imagem, ficar conhecido pelo seu potencial cultural (cultural de verdade). Tanto que era briga feia quando ocorria de outro artista ou alguém tentando entrar na área, plagiar sua obra ou uma pequena parte que fosse. Agora a internet provocou uma reviravolta na área artística. E constatamos o quanto a sociedade permaneceu estagnada e até retrocedeu em nível cultural, educacional e principalmente espiritual. Digo espiritual, relacionado à espiritualidade, universal, e não como “religião”, porque religiões também travam disputas e os excessos, a lavagem cerebral, também constituem uma degradação coletiva das massas.
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O culto e a idolatria a pessoas caminham junto da humanidade há séculos. Milhões de pessoas buscam se espelhar naqueles que demonstram força, poder, chegaram ao sucesso, aos holofotes. Dentre estes cultuados, existe o joio e o trigo. Porque há consumidores de joio e de trigo. Questão de liberdade de escolha. A sagrada liberdade. E estamos num período que muitos brigarão aqui; “por que haveria de ter holofotes só para o trigo? O joio também não faz parte da natureza?” Vamos recordar o miojo. O glutamato monossódico. Se ele existe e está alimentando, por que condená-lo? O miojo, consumido nessa quantidade, não matou na velocidade que matam as epidemias ou uma pandemia. Mas a pressão alta, estimulada pela persistência no sal, mata a qualquer momento. Depende do organismo de cada um. A pressão alta é silenciosa. Assim como outras moléstias que vão surgindo no decorrer dos anos. No psicológico, as produções culturais também vão agindo sutilmente. Analisemos as letras de décadas passadas e as atuais, a consistência de cada uma. Qual o objetivo de seus autores? Fornecer construção ao seu público ou uma pseudoconstrução? Mais uma vez, o exemplo do miojo. Por que o miojo é tão popular? Porque sacia rápido. E essa saciedade é o resultado do que ocorre dentro do organismo, que não paramos para analisar. Queremos nos sentir saciados, mas não analisamos o que é essa saciedade. O macarrão instantâneo dá essa saciedade porque fica no estômago, intacto, por mais de duas horas. Nosso organismo leva tempo, se desgasta imensamente para absorver aquela massa pré-cozida, depois frita, conservada, cozida novamente, composta e complementada por aditivos, conservantes, sódio, etc. etc. No meio “cultural” desta geração pós-internet, é exatamente assim. Se o público consome composições, ritmos que exigem pouca tarefa, ausência de criatividade e elementos construtivos, por que não saciá-lo? O povo recebe rapidamente aquilo que o sacia e seus produtores rapidamente também conquistam espaço na mídia e o retorno financeiro. E são aplaudidos, defendidos pela massa consumista (sim, consumista, porque consumidores pensam de forma diferente). Além do miojo, quantos outros pseudoalimentos satisfazem as massas? Além dessa satisfação momentânea, que é “enganar o estômago” na própria linguagem popular, existe todo o brilho do marketing do produto. As tacadas geniais daqueles que trabalham no marketing. Lembram-se dos comerciais de cigarros nos anos 70 e 80? Mostrando aviões, iates, “Hollywood ao sucesso”… ou a famosa frase do Gerson, que virou a lei amplamente levada à risca por muita gente? Pois então, no meio artístico esse brilho está na parafernália eletrônica, show de luzes, efeitos especiais para os vídeos, que transformam o “artista” num semideus. Lembrando que existe uma distância astronômica na bagagem dos astros do século vinte e os que tiveram agora ascensão biônica neste século… com raras exceções. Nunca o douramento da pílula foi tão usado para criar um ornamento naquilo que o público consome. Como disse um artista lá dos anos 80, observando o caminhar do segmento artístico agora com a internet: “se o artista não tem o necessário para compor e cantar, cantará com o corpo, principalmente usando e abusando de partes de seu corpo”. E o público, enfeitiçado, com o instrumento de poder de comunicação nas mãos, num clique, irá brigar ferrenhamente pelo seu direito de consumir aquele produto… e poderá ainda questionar: “o que é joio e o que é trigo? Se isso para você é joio, para mim é trigo”. E com a palavra da moda, “lacração”, encerra-se esta reflexão. O culto ao miojo vai de vento em popa.

GEORGE ANDRÉ SAVY
Técnico em Administração e Meio Ambiente, escritor, articulista e palestrante. Desenvolve atividades literárias e exposições sobre transporte coletivo, área que pesquisa desde o final da década de 70.
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