Quando pequena, ainda analfabeta, eu costumava pegar um livro qualquer e “ler” para minha avó, também analfabeta. Eu lia fantasiando. As frases vinham de acordo com as imagens, assim, desenvolvia, aos poucos, uma maneira de contar histórias. Ela dizia que as letras nos livros eram bonitas, mágicas e embora nada lhe dissessem, ela sabia que nos levavam ao nosso lugar. Dizia isso a sua maneira, não tinha muito jeito com as palavras e, sem nunca me explicar onde era o nosso lugar, lamentava por não ter tanto acesso a ele.
Quando comecei a ler, o dedinho indicador vagarosamente passava, letrinha por letrinha, abrindo os caminhos, e histórias surgiam, silabicamente através deles. Minha avó acompanhava com os olhos e dizia que o conhecimento, através da leitura, me levaria a um bonito lugar. Dizia isso a sua maneira, não tinha muito jeito com as palavras, mas se fazia entender e eu sabia então que “nosso lugar” era bonito.
Antes que ela se fosse, ouviu várias leituras.
Meu dedo deslizava nas páginas dos livros, já não tão devagar, mas eu fazia questão de passar palavra por palavra, talvez para que ela, que fixava o olhar nas linhas, conseguisse visualizar nas letras o sentido para o que ouvia, como se isso exaltasse mais ainda a história.
E ela dizia que a sapiência, através do conhecimento que a leitura nos dá, nos prepara para mudar o nosso lugar, melhorando-o sempre. Ela dizia isso a sua maneira, quase não tinha jeito com as palavras, mas me mostrava que o nosso lugar, além de bonito, deve estar em constante mutação.
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Quando eu lia para meu filho, ele ainda analfabeto, de vez em quando interrompia a leitura, para perguntar onde estava determinada palavra que eu acabara de ler; eu a mostrava e ele passava o dedinho sobre ela como se quisesse sentir seu real significado através do tato. Eu observava seus olhinhos vislumbrados, de um lado para outro da linha, talvez na ânsia de conseguir um sentido para aquelas tantas letras que se juntavam àquela palavrinha que ora tateava, com a qual identificara-se de alguma forma.
É tão bonito, dizia ele.
Um dia fez uma linda analogia.
Disse que a leitura o transportava para um barquinho, que o meu dedo empurrava, nas linhas do rio das letras, formando palavras e frases, desembocando num oceano vasto de tantas histórias e possibilidades. Disse isso a sua maneira, sem ainda ter jeito com as palavras, mas me surpreendeu com sua ciência de que o lugar a que minha avó se referia, o nosso lugar, além de bonito e mutável, deve ser acessível a todos, e principalmente, todos deveriam ser informados disso, inclusive minha avó.
Por um bonito lugar no mundo, onde escritores, leitores, contadores e escutadores se façam, refaçam, inventem e reinventem e, sobretudo, respeitem este bonito lugar feito por homens livres e livros.(Foto: Andrea Piacquadio/Pexels)

ROSITA VERAS
É escritora, ghostwriter e articulista. Rositaveras.blogspot.com
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